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Percy Fawcett - Em busca da cidade perdida

·   Em 29 de maio de 1925, numa clareira próxima ao Rio Xingu, o explorador inglês coronel P.H. Fawcett escreveu sua última carta à mulher: “Faz muito frio à noite e as manhãs são frescas; mas os insetos e o calor aparecem por volta do meio-dia e daí até seis da tarde é só sofrimento no acampamento (...) Você não deve temer nosso fracasso (...)”. O medo do fracasso, entretanto, não saía da cabeça do alquebrado missivista. Aos 58 anos, ele já não era aquele homem de vitalidade sobre-humana, cujos feitos fabulosos inspiraram o escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930) a compor as imagens de uma terra esquecida, ainda habitada por dinossauros, que aparece no livro O mundo perdido, e que serviu de modelo para o inquieto arqueólogo Indiana Jones, vivido nas telas pelo ator Harrison Ford. Agora Fawcett estava esgotado e cheio de dúvidas, caminhando com dificuldade, ao lado de dois companheiros tão exauridos quanto ele, pelo território dos índios Kalapalos, que certamente observavam, ocultos na mata, o rumo incerto dos exploradores.


São as derradeiras notícias que se têm da expedição Fawcett. Depois disso, ele, seu filho Jack e o amigo Raleigh Rimmel jamais foram vistos. Desapareceram misteriosamente, sem que o obstinado explorador tivesse encontrado a maravilhosa cidade cheia de riquezas, oculta na selva amazônica, que procurou por toda a vida e que parecia só existir na sua cabeça algo delirante. Na esteira do seu sumiço, mais de uma dúzia de expedições foram organizadas na tentativa de localizá-lo – e cerca de cem pessoas morreram nessas perigosas aventuras –, sem acréscimos significativos ao pouco que se conhece sobre as circunstâncias da sua morte. Menos esforço seria gasto para se saber, pela sua biografia e por suas anotações, o que Fawcett procurava, e até mesmo quão próximo chegara de seu destino.

Percy Harrison Fawcett nasceu em Torquay, no sul da Inglaterra, em 1867. Ainda garoto, tinha fascínio por história antiga e – influenciado pelos irmãos, que tinham inclinações esotéricas – pelo espiritualismo. Sua carreira como explorador começou em 1886, quando ocupava um posto no regimento da artilharia real no Ceilão. Enojado com os hábitos de oficiais abastados e alcoólatras, o abstêmio Fawcett passava suas horas livres esquadrinhando a paisagem atrás de tesouros arqueológicos ainda não descobertos. Mais tarde, seu nome seria associado a uma profecia bizarra, feita por monges budistas no porto de Tricomalee. Ao verem sua mulher no início da gravidez, eles corretamente predisseram que ela daria à luz um menino, a 19 de maio, dia da festa de Buda. E mais ainda: “Esta criança irá crescer e acompanhá-lo em uma viagem por terras longínquas, ao sul, onde ambos desaparecerão”. A profecia, com esse seu caráter fatídico, parece ter exercido uma influência psicológica determinante no curso final da vida de Fawcett.

Percy Faecett

Em 1906, depois de ocupar novos postos no norte da África – onde se aperfeiçoou como agrimensor –, ele foi convidado para demarcar uma seção da fronteira Peru-Bolívia. Seria a primeira de uma série de expedições que liderou, contratadas pelo governo boliviano. Foi assim que adquiriu experiência e consolidou sua reputação como modelo do gentleman aventureiro típico do período do rei da Inglaterra Eduardo II (1901-1910). Inspirado em inúmeras lendas que falavam de míticas minas de prata, índios de pele clara e torres de cristal erguidas na selva, Fawcettt parte para a região amazônica, onde acreditava encontrar “povos superiores” que em outras eras teriam habitado a região, conforme se presume do conteúdo de seus escritos:

·   “Contaram-me de uma caverna próxima a Vila Rica, no Alto Paraná, onde há curiosos desenhos e inscrições feitas numa língua desconhecida”, anotou ele. E perguntava: “Será que não se poderia alegar que, ao lado dos incas, havia outras civilizações antigas neste continente – e que os próprios incas teriam vindo de uma raça superior e mais difundida cujos traços, irreconhecíveis no presente, ainda serão encontrados aqui e ali?” Era essa a pergunta que ele queria responder. Em 1920, Fawcett voltou à América do Sul para realizar, finalmente, o antigo sonho de localizar a cidade cheia de riquezas que estaria escondida no coração da Amazônia brasileira. Sua principal fonte era um documento conhecido como “Manuscrito 512”, que está guardado ainda hoje na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Supostamente escrito pelos primeiros a se aventurarem pelos sertões do Brasil, na década de 1750, conteria informações que poderiam conduzi-lo a seu destino.

Fawcett conhecia também a lenda sobre as fabulosas minas que estariam localizadas no interior da Bahia, recheadas de fantásticos depósitos de ouro e prata. Por onde andasse na América do Sul, o explorador ouvia histórias de cidades perdidas. As escavações de Machu Picchu, por Hiram Bingham, a poucos quilômetros de onde Fawcett fez investigações arqueológicas em 1911, sugeria que outros antigos povoamentos, até maiores, poderiam ter permanecido desconhecidos por séculos. Não seria razoável, então, supor que o vasto território do Brasil, coberto pelas altas copas da floresta tropical, pudesse ocultar antigas construções? As cartas dos antigos bandeirantes pareciam confirmar essas suspeitas. Além disso, Fawcett conheceu um homem que afirmava haver encontrado a cidade abandonada. O tenente-coronel Sullivan O’Beare, ex-cônsul britânico no Rio de Janeiro, lhe assegurou ter descoberto por acaso, em 1913, cobertos pela vegetação, resquícios das antigas minas de ouro e prata a apenas doze dias de viagem de Salvador. Outras teorias iam firmando as convicções do excêntrico Fawcett. Uma delas se relacionava a uma imagem que lhe fora presenteada pelo escritor H. Rider Haggard, autor de As minas do rei Salomão.

Tratava-se de uma figura de basalto, com cerca de 25 centímetros, portando uma placa onde enigmáticas runas haviam sido rabiscadas. Segundo o antigo dono, o objeto teria sido adquirido de índios no interior do Brasil, e Fawcett garantia que, quando manipulada, a estátua emitia uma poderosa descarga elétrica. Convidada a examiná-la, uma médium, em transe, descreveu a visão de uma antiga civilização sendo atingida por uma enchente: “Eu vi o alto sacerdote tomar a estátua e dá-la a outro sacerdote, com instruções para protegê-la cuidadosamente, e no tempo devido entregá-la a um escolhido que, por sua vez, deveria passá-la adiante até que, num certo momento, se tornasse propriedade de uma reencarnação da personagem por ela retratada, quando inúmeras coisas seriam elucidadas através de sua influência...”


A mulher concluiu atribuindo propriedades malignas à imagem e advertindo que seria “perigoso não levá-la a sério”. Nem de longe era esta a intenção de Fawcett. Muito pelo contrário. Para ele, o estranho objeto representava a peça-chave que faltava ao seu quebra-cabeça. Teria vindo de uma cidade arruinada mencionada por bandeirantes em 1753 e construída, Fawcett não tinha dúvida, por antigos habitantes da Atlântida que buscaram refúgio no interior do Brasil depois que seu continente desapareceu sob o mar. Bem aqui, no santuário da floresta tropical, reergueram então uma cultura altamente desenvolvida, sem contato com o mundo externo, e a estátua, como tinha sido sugerido pela médium, estava agora nas mãos do “eleito” (Fawcett), por intermédio de quem “várias coisas” seriam “desvendadas”.

·  Empolgado, o coronel recrutou dois companheiros – que logo depois se revelariam totalmente despreparados para a missão – e partiu da cidade de Cuiabá, no outono de 1920, em busca da cidade perdida. Pelo caminho, tudo parecia confirmar suas fantasias. Relatos de moradores locais davam conta de “casas iluminadas com estrelas que nunca se apagam”, “índios-morcegos” especialmente bárbaros e “homens-macacos” que viviam em buracos no chão e só saíam à noite. Aparentemente, Fawcett acreditava em tudo que lhe contavam: eram indicadores de que estava no caminho certo. No entanto, esta primeira expedição, depois de um início alvissareiro, terminaria num “fiasco patético e triste”, segundo suas próprias palavras.

Um dos companheiros de Fawcett – com seu currículo pouco confiável de vaqueiro e pugilista australiano – mostrava-se pouco à vontade com sua montaria e, à medida que a expedição avançava, lamentava a distância que o separava cada vez mais dos prostíbulos de Cuiabá. O outro integrante do grupo – um taciturno ornitologista – sucumbiu à histeria, e durante um surto atirou num dos cães prediletos de Fawcett. Os animais de carga morreram afogados ou fugiram. Após seis semanas, a expedição que o explorador planejara durante anos terminava, e ele voltou à Inglaterra de mãos abanando. Mas não se deixou abater pelo fracasso. Logo estaria planejando uma nova viagem ao Brasil, desta vez patrocinado pela imprensa, mais precisamente pela Aliança dos Jornais Norte-Americanos, em troca dos direitos exclusivos da história. Seria a sua última aventura.

Os novos companheiros de empreitada eram seu filho Jack, de 21 anos, e o amigo Raleigh Rimmel. Estranhamente, o explorador parece ter desprezado a companhia do lendário e seguramente muito mais qualificado T.E. Lawrence (o “Lawrence da Arábia”), talvez porque este pudesse ofuscar sua liderança. Uma nota de sabor premonitório já constava de suas memórias: “Às vezes duvido se vou estar à altura desta viagem. Já estou ficando velho demais para carregar pelo menos vinte quilos de equipamento nas costas por meses a fio… Se a viagem não for bem-sucedida, meu trabalho na América do Sul terminará em fracasso, pois não poderei fazer outra. Serei inevitavelmente desacreditado como visionário e apontado como alguém que procurava apenas enriquecer. Quem entenderá que não busco glória nenhuma, nenhum lucro para mim, que faço isso com a crença não-remunerada de que este último benefício para a humanidade irá justificar os anos dedicados a esta busca? Os últimos anos foram os mais miseráveis e decepcionantes da minha vida – cheio de ansiedades, incertezas, restrições financeiras, negócios escusos e traições óbvias.”

Ele sentia que era sua última oportunidade de alcançar a glória. Apostava na crença de que a presença de seu filho Jack, conforme a profecia budista, era fundamental para o sucesso da expedição. E tendo recusado a oferta de um avião anfíbio por parte do governo brasileiro – certamente para assegurar que seu destino (ao qual chamava simplesmente de “Z Misterioso”) seria mantido em segredo –, rumou para o interior do Brasil. Em Cuiabá, mais uma vez Fawcett ouviu falar em pedras cobertas de inscrições, torres emitindo luzes, índios-morcegos e uma cidade com “construções de pedra baixas, com muitas ruas perpendiculares umas às outras... e um grande templo, onde se encontrava um grande disco cortado em pedra cristal”. Ele participou de sessões espíritas e rituais de candomblé antes de conduzir Jack e Rimmel pelo caminho que havia abandonado cinco anos antes. Um mês mais tarde, depois de quase terem se perdido na floresta – com Rimmel todo mordido por carrapatos e cada vez mais cético quanto aos motivos da expedição (“Está além da minha compreensão!”, ele escreveu) – adentraram cambaleando o posto indígena de Bakairi.

Foi a última vez que Fawcett foi visto, e não parecia triste. Junto com o filho, fez apresentações musicais para os índios, que ele divertia tirando e recolocando a dentadura. Intimamente, no entanto, cultivava dúvidas sobre a capacidade de Rimmel para prosseguir viagem. Seu companheiro mancava por causa de uma ferida infeccionada, produzida pelos carrapatos que infestavam a floresta, e o jovem Jack lhe parecia despreparado para os rigores da jornada que tinham pela frente. “[Os guias] estão ansiosos para voltar, já não agüentam mais (…). “Eu mesmo estou todo mordido por carrapatos”, escreveu. Apesar de tudo, ainda parecia confiante: “Acredito estar em contato com a antiga civilização em menos de um mês, e de alcançar meu objetivo principal em agosto. Daí em diante, nosso destino estará nas mãos dos deuses!” Qual seria o “objetivo principal”? Não se sabe. Desanimado mas ansioso por cumprir sua meta, Fawcett dispensou os guias que relutavam em prosseguir e continuou, mesmo sem eles, sua marcha tenaz. Não se sabe que fim levou. Alguns dias mais tarde, desaparecia, com Jack e Rimmel, na selva de Mato Grosso.


Nos anos que se seguiram, Brian, o filho caçula do explorador, fez várias e prolongadas tentativas de localizar o pai. Em 1952, quase 30 anos após o desaparecimento, foi instado a examinar ossos encontrados num túmulo ao largo de um assentamento dos Kalapalos, que o indigenista brasileiro Orlando Villas-Boas garantia serem do coronel Fawcett. Mais tarde provou-se que era o esqueleto de um homem muito menor que o explorador, surgindo daí a desconfiança de que a falsa descoberta visava apenas desencorajar outras incursões de “fawcettologistas” no território dos Kalapalos. Mesmo assim, expedições continuaram a ser organizadas, e sempre sem sucesso.

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Bom gente, depois de 2 meses de ausência, o Cova do Inferno está retomando suas atividades. E vem com uma super novidade. Agora também sou colaboradora do blog Noite Sinistra, do meu amigo Nando.

Fonte: Revista História