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As confições de Charles Manson [Parte 2]


Fala novamente sobre como não tem pena nenhuma das vítimas dos casos Tate e LaBianca, especialmente de Sharon Tate. “Era uma estrela de Hollywood. Quantas pessoas ela matou nos filmes? Era tão bonita assim? Comprometeu o corpo por tudo o que fez. E, se era tão bonita, o que estava fazendo na cama de outro homem quando aquilo aconteceu? Que merda é esta?” Finalmente, ele recorre à velha alegoria de Jesus e diz: “Acho que você não entende a gravidade da situação, cara. Como pode entrevistar Jesus quando Ele está morrendo na cruz?”


Depois de 44 anos, os fatos no caso de Charles Manson não são mais fatos propriamente ditos – são crenças e conclusões formadas por pedaços de luz desviada e redirecionada ou, como Manson gosta de chamá-las, são “perspectivas”. “‘Helter Skelter’ não foi uma mentira”, diz. “Só não foi a perspectiva de Bugliosi. Todos contam como querem lembrar. Mais cedo ou mais tarde, temos de nos submeter ao ponto de vista do outro. Claro, estava acontecendo, mas era só parte da parte. Os motivos foram todo tipo de coisas diferentes que estavam acontecendo na mente de Tex e na mente de todos nós, e há muitas discrepâncias diferentes ali que não se correlacionam de fato. Houve muitos motivos, cara, você tem um motivo para cada pessoa ali. Foi uma ideia coletiva. Um episódio psicótico, e você quer me culpar por aquilo?”

Manson sempre diz que o tempo não significa nada para ele, que “nos corredores da eternidade... vivo mil anos em um segundo, cara”, então, acreditando na palavra dele, hoje é o dia em 1934 no qual ele nasceu, filho de uma adolescente de 16 anos em Cincinnati. Nunca teve um pai que conhecesse e a única mãe que conhecia era uma bêbada irresponsável. Foi criado em centros de detenção e escolas reformatórias e recebeu uma educação adulta, embora não muito boa, de presidiário. Virou um péssimo criminoso, um cafetão incompetente, um péssimo ladrão de carros, um gatuno de mão pesada, um cara que foi pego toda vez que infringiu a lei. Antes dos assassinatos, tudo era patético e risível. Se você diz isso a Manson hoje, até ele, depois de um momento de silêncio ponderado, afirma: “Ok, tá bom, é, é. Tudo bem, você está certo nesta”, para depois dizer: “Só que não sou uma pessoa, nunca fui uma pessoa. Sou um animal criado a vida inteira em gaiolas”. Esse é o início da história dele, tudo o que você precisa saber. Dá para imaginar o restante. Pense no pior. Só duas décadas de uma longa vida passadas como um homem livre.

Ele se gaba de ser tão livre na prisão quanto em qualquer outro lugar. “Você é único no presídio, cara.” No entanto, no 79º aniversário dele, ele me liga, com a voz baixa e distante, e diz: “O que você acha? Acha que esta matéria me ajudará a sair daqui, mesmo que por pouco tempo, antes que eu vá?” E aí está a cicatriz humana em Manson, aberta e vazando, e ela meio que comove o coração.

Só que Manson sempre entendeu que não pertence ao mundo lá fora. Antes de ser libertado da prisão, em 1967, disse a um dos guardas que não queria ir. No entanto, em 1971, ao final do julgamento, com uma sentença de morte pairando no ar, ainda queria se defender perante o júri, montar o tipo de defesa que só ele poderia, e sente que Bugliosi de alguma forma não lhe deu essa chance ao fazer o tribunal negar sua solicitação para ser o próprio advogado, e essa é uma das coisas que até hoje ainda o deixam possesso.

Hoje, dentro da sala de visita de Corcoran, Star está usando um vestido xadrez. Está muito bonita, muito feliz, enquanto se ocupa com um papel-toalha, limpando da mesa o desinfetante roxo pegajoso e fedido que a penitenciária usa. Estou feliz por Gray Wolf ter perdido os privilégios de visitação. Ele é um maníaco por controle, fitando Star com olhos fundos sempre que ela diz algo de que ele não gosta. Eu também não sei se gosto de estar perto dos dois ao mesmo tempo. Eles fazem qualquer coisa que Manson diga, incluindo marcar a própria testa com um X.

Star é uma versão muito mais bonita de Susan Atkins, também conhecida como Sexy Sadie, a verdadeira louca da Família Manson. Durante seu julgamento, Susan depôs: “[Sharon Tate] ficava pedindo e implorando. Fiquei cansada de ouvir aquilo, então a esfaqueei... Como isso pode não ser correto quando é feito com amor?” Ao falar sobre os assassinatos, Star diz: “Sharon Tate não era uma estrela de cinema. Mesmo agora, ninguém ouviu falar dela pra valer, embora supostamente tenha sido morta por Charles Manson, o homem mais famoso do mundo. E esse é o único motivo pelo qual qualquer um saiba quem é, e mesmo assim ninguém sabe quem diabos ela é”.

Star olha para cima e eis Manson novamente, sorrindo. Ele empurra uma cadeira de rodas à sua frente, usando-a para apoio, mas é tudo um show, parte de algum protesto contra o sistema. Dois minutos depois ele está de pé, fazendo a dança do dragão do kung fu que historicamente reserva para quando as câmeras de TV estão ligadas. Fez isso para Charlie Rose em 1986, Penny Daniels em 1987 e Geraldo Rivera em 1988. Esses foram os anos dourados de sua exposição na mídia na meia-idade. Em entrevistas, era uma imensa força cinética, constantemente mexendo no longo cabelo que estava ficando grisalho e brincando com a barba, olhar penetrante, enrolando e dominando alguns de seus adversários, sendo bonzinho e atencioso com outros, e sempre vociferando com indignação justa. Sempre foi maravilhoso vê-lo na TV, mas depois de uma conversa explosiva, quase sexualmente agressiva com Diane Sawyer em 1994, o estado da Califórnia baniu o uso de dispositivos de gravação durante entrevistas com prisioneiros. Isso deixa Manson irritado. É o motivo pelo qual você não ouviu falar dele ultimamente. Manson tende a ficar chateado com isso. A principal razão é a dança, a grande apresentação em tantas aparições diante das câmeras.

Ele usa a manga da camisa para limpar a remela que resta nos olhos, então coloca a mão sobre a minha, desliza os dedos sobre os meus, até o punho e o braço. Aperta-o algumas vezes e diz: “Cara, você é macio”. Faço piada com isso, falando que não sou desses. Ele encolhe os ombros. “Sexo para mim é como ir ao banheiro. Seja com uma garota ou não, não importa. Não caio nessa de homem-mulher.”

Então, acena para Star e diz: “Posso penetrá-la daqui, só tenho de ir devagar”. Balança a cabeça e se inclina em minha direção, chegando mais perto. “Bom, sabe o que eu gostaria mesmo de ter? Uma boceta de verdade. Algo para fumar. Uma boa guitarra. Um bom lugar para cagar. Gostaria de ter o que você tem.” Ele não está me ameaçando, só falando. Isso provoca lembranças. “Todas as pessoas chupando e transando no rancho, eu não podia recusar nenhuma delas. Só queria uma boceta, tocar música e dançar. Tirei Susie do fundo do poço. Diziam que ela era feia, parecia um homem. Falei que era um belo exemplar de humanidade. Ela me recompensou, colocou a faca sangrenta em minhas mãos e disse: ‘Eu te amo tanto, dou minha vida para você’. E Leslie, bom, transei com ela algumas vezes. A dela era grande, gorda e feia, era como colocar o pau na janela. Não que isso a torne uma má pessoa, mas não é o que se quer.”

Ele faz uma careta, de mau humor, sentado com as pernas abertas, com a barriga redonda de presidiário entre elas. “Todos foram lá e mataram, mas, claro, eu não faria nada”, continua. “Você pensa que eu mataria todas aquelas pessoas? Estava com medo, não queria voltar para a prisão. As baratas têm mais vida do que eu. Não faço... nada.” Ele se levanta. “Que vida, cara. Uma grande merda.”

Novamente, Manson fala da conversa que teve com Tex, que queria saber o que fazer. Ele ainda está de pé, ombros para trás, sangue e raiva subindo para seu rosto. “Não me pergunte o que fazer!”, grita, socando o ar. “Uma coisa que você não quer fazer é pisar em mim. Não queira fazer isso. Cara, você sabe o que fazer. Faça!” Os guardas olham, esperam que ele se acalme e voltam a ver TV.

“Viu”, diz, “não há conspiração aí.” Talvez, mas agora consigo ver como ele pode ter convencido Tex e dito a ele o que fazer sem ter de falar exatamente. Está na fúria repentina, no rugido explosivo e perturbado da voz, na linguagem silenciosa e provocadora do corpo expressivo, naquela dança que pode dizer mais a respeito dele do que as palavras.

Ele se senta novamente. Pergunto onde ocorreu a conversa com Tex. Manson fica em silêncio. No passado, falou que não estava no Spahn quando Tex e as garotas saíram, que estava em San Diego e falou com Tex pelo telefone, só retornando ao rancho mais tarde. Como um lembrete, Star se aproxima e diz: “Você estava ao telefone”. Manson olha para ela, depois para mim, depois para a parede e fala: “Eu não sei – que é o que falo quando estou tentando escapar de algo”.

Um instante se passa. Ele dá aquele sorriso de meio homem, meio demônio. “Sou preguiçoso”, continua. “Faço todo possível para não fazer nada. Assim, sobrevivo. Não quero assumir responsabilidade. O erro que cometi foi não ter ido com eles. Tex estava com medo. Filhinho da mamãe. A segunda noite correu melhor, porque tive uma participação nela. Na situação, não nos assassinatos. Não, cara, eu não estava lá para aquilo. Eles fizeram uma bagunça na primeira noite. Se eu estivesse lá, teria sido muito melhor. Teria feito do jeito certo.”

Ele balança a cabeça. “Tex sempre fez o que falei. Não precisava. Podia ter saltado na estrada e abandonado, mas, quando veio ao rancho, fez o que falei. Eu o tinha visto pela primeira vez na vida e queria falar como ele, andar como ele. Lá estava eu, na sarjeta, cara, e ele veio junto. Ele tinha um carro legal, e meu erro foi deixá-lo entrar no meu mundo por causa disso. Eu era muito inteligente. Isso me custou 45 anos, por causa de uma maldita picape Dodge.”

Um dia, falo ao telefone com Bugliosi. Nos 40 anos desde que Helter Skelter fez dele um autor de best-seller, ele escreveu outros 12livros, o mais recente sendo Divinity of Doubt: The God Question [A Divindade da Dúvida: A Questão de Deus]. Ele começou atacando Manson, o Anticristo, e agora argumenta que a existência de Deus não pode ser provada. Como Manson diz, Bugliosi é um vencedor. E ele continua afiado. Como Manson, tende a sair pela tangente, principalmente com relação a questões médicasdesagradáveis, mas, diferentemente de Manson, sempre volta para o aqui e agora.

Ele continua: “Acho que todos os que participaram dos assassinatos caíram direitinho na teoria de Helter Skelter. Será que o próprio Manson acreditava em todas as coisas ridículas e absurdas sobre todos eles morando em um buraco sem fundo no deserto enquanto uma guerra mundial acontecia fora dali? Penso, sem saber, que ele não acreditava”. Faz uma pausa. “Acho que um motivo para ele não ter participado dos assassinatos é ter pensado que isso o imunizaria ou isolaria de responsabilidade criminal. Mas se você é culpado de conspiração para cometer assassinato e ele ocorre, então também é culpado. É a lei básica.”

Mais tarde, quando estou deitado na cama assistindo a The Big Bang Theory na TV, Manson liga novamente. Às vezes o ignoro. Talvez eu não queira escutar mais um de seus discursos lunáticos elaborados, sem dúvida, para me levar a algum lugar aonde não quero ir. Star e Gray Wolf me imploraram para ir com a maré e ver aonde isso leva. Nem pensar.

Só que hoje atendo. “Inspire e expire, inspire e expire”, ele diz. “Sou o último suspiro sobre a Terra, cara. Algumas pessoas aqui querem que eu assine uma ordem de não reanimação. Escrevi no papel: ‘Por que deveria?’ Muita gente quer que eu morra. Bugliosi quer que eu morra antes dele, caso contrário serei vencedor.” Assim a batalha deles continua, pelo menos na cabeça de Manson.

Depois da visita a Manson em um domingo, Star e eu dirigimos pela desolada Corcoran, paramos para tomar um milk-shake e vamos até o grande parque comunitário, a única área verde na região, e encontramos um banco para sentar. “Não dou a mínima para o que aconteceu em 1969”, ela diz no caminho. Fala de Susan Atkins. “Aquela vadia era maluca. ‘Ah, Charlie, fiz isso por você’. Não, ela não sabia o que estava fazendo. Aquela garota era uma vadia, totalmente psicótica.” Ela diz isso com tanta veemência que fico até espantado. Não achava que Star era capaz de falar essas coisas.

Então, ela inclina e fala algo chocante, “uma revelação”, como diz. “Vou te contar de uma vez, Charlie e eu vamos nos casar. Não sabemos quando, mas levo isso a sério. Charlie é meu marido. Ele me disse para te falar isso. Não contamos a ninguém.”

Uma coisa é estar aqui, visitando Manson, comprando a cota trimestral de presentes, levandovinagre de maçã para os fungos nos pés dele. De certa forma, consigo entender tudo isso. Senti a mão dele na minha pele, eu o ouvi falar, vi que falava mais com o corpo do que com as palavras. Eu sei. Mas casar com ele?

“Você vai adotar o sobrenome dele?”, eu pergunto. “Sim”, ela responde. “Meus pais gostam de Charlie. Estávamos conversando e eles falaram: ‘Se Charlie sair, vocês podem ficar aqui. Podem ficar no porão por um tempo e talvez construir sua casinha perto do riacho’. ” Haverá visitas conjugais? “Não, quem está em prisão perpétua na Califórnia não tem mais isso”, diz. “Se houvesse, já estaríamos casados. Sabe, essa é a única coisa que quero. Não quero sempre estar naquela sala de visita com as pessoas me olhando. Mas esse é o único momento que tenho para vê-lo. É difícil, mas as coisas mudam. Quem sabe o que pode acontecer?”

Mais um dia, mais uma ligação de Manson. “Star, Star, o bebê está no chão”, ele diz. “Começamos de novo com ela. As outras sabem de tudo agora. Não preciso dizer nada.” Pergunto se as “outras” são Squeaky e Sandy. “Sim”, ele responde.

Isso não soa bem. Manson enxerga Star como uma espécie de projeto, um bebê no chão que ele está ensinando desde o início. Parece ter planos para ela e, historicamente, os planos dele nunca terminaram bem.

E quanto ao casamento? Ele bufa. “Ah, isso”, diz. “É um monte de bobagem. Você sabe, cara. É lixo.

É para o consumo público.”

Não é exatamente uma surpresa ouvi-lo dizer isso. É o tipo de coisa que Manson faz. E Star também, eu percebo, o que é mais surpreendente. Só que até isso faz sentido, assim que você entende que ela é o bebê no chão de Manson. Não vai ser a futura esposa dele, e sim mais uma de suas “filhas”, como Squeaky e Sandy eram, dando os primeiros passos, com ele segurando a mão e mostrando o caminho. Pelo menos, essa é minha percepção.

“Sempre fui muito verdadeiro comigo mesmo, o máximo que posso ser sob as circunstâncias”, Manson diz mais tarde, “mas nunca deduro ninguém, nem a mim mesmo, cara, então é por isso que nunca contei a alguém o que realmente aconteceu na época. Não posso contar agora. Não funcionaria se eu fizesse isso, porque mudaria no dia seguinte. Tudo está mudando constantemente, cara. A mente é uma coisa universal. Charles Manson e Beethoven”, ele diz antes de desligar desta vez. “É só uma ideiazinha.”

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