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Bioterrorismo: Micro-organismos Como Armas Bológicas

ideia de utilizar agentes infecciosos para o surgimento de grandes epidemias é antiga e vários acontecimentos históricos em períodos distintos relatam isso (CRISTOPHER et al., 1997; GIESECKE, 1994). 



De acordo Christopher et al. (1997) o homem de Neanderthal já aplicava o conceito de arma biológica ao colocar fezes de animais nas pontas das flechas para causar maior letalidade a seus inimigos nas guerras, com o objetivo de desestabilizar um possível contra-ataque. Já os cavaleiros romanos jogavam carcaça de animais nos poços dos inimigos para 4 contaminar a água. Ainda, em 1346 os tártaros lançavam os cadáveres de pessoas mortas pela peste bubônica sobre a cidade de Caffa e o exército britânico em uma das suas guerras mandava cobertores de pacientes com varíola para os índios que ocupavam as margens do rio Delaware. 

Hoje, o bioterrorismo é uma realidade mais completa e complexa com o avanço da engenharia genética, que tem a capacidade de alterar genes dos agentes visando proporcionar uma maior letalidade e, de acordo com alguns especialistas, seria algo possível e realizável por pessoas com formação adequada (OSTERHOLM, 2001; KADLEC et al., 1997). 

Em 1972 foi assinada entre as principais potências a Convenção sobre Armas Biológicas que proibia a criação e o armazenamento de armas biológicas. Entretanto, apesar do acordo, nem todos os países cumpriram as resoluções como, por exemplo, a União Soviética quando o acidente em Sverdloks, em 1979 ficou evidenciado pela liberação de esporos do B. Anthracis causando contaminação no pessoal envolvido na manipulação dos esporos (FERRER, 2002). 

Alguns autores nas últimas décadas do século XX alertaram sobre os riscos e terror de uma guerra biológica onde o Anthrax, a Varíola e a toxina butolínica seriam os principais agentes do uso em potencial, o que justifica a importância do conhecimento sobre o assunto (SHAFAZAND et al., 1999; SPARRENBERGER et al., 2003). 

Agentes do Bioterrorismo 

Anthrax (Bacillus anthracis) A infecção é denominada conforme a origem do termo grego antrakus, que significa carvão, isso é devido a lesões enegrecidas na sua forma cutânea (GORDON, 1999). É considerada uma doença histórica, uma vez que, ela teria sido responsável por pragas que atingiram o antigo Egito (SHAFAZAND et al., 1999). 

“O poeta e cientista grego Virgil legou-nos ricos detalhes sobre a doença: “Se qualquer um usar uma roupa feita com lã infectada, seus membros logo serão atacados por pápulas inflamatórias e um horrível exsudato, e se ele demorar muito para retirar o material, uma violenta infecção cobrirá as partes onde este entrou em contato.” (SHAFAZAND et al., 1999).

O cientista Robert Koch em 1877 descreveu o crescimento do B. anthracis in vitro e conseguiu por meio de experiências com animais saudáveis apontar esse agente como causador da patologia. Na mesma época John Bell observou a forma inalante do agente e, com isso, foi possível reduzir o número de infectados na Inglaterra (SPARRENBERGER et al., 2003). 

Segundo Inglesby et al. (1999) o B. anthracis é uma bactéria em forma de bacilo Grampositivo, encapsulado, imóvel que mede entre 1 a 1,5 µm e pode assumir a forma de esporos. Esses, por sua vez, apresentam resistência ao calor e a desinfetantes químicos, seu tamanho é adequado para a transmissão por meio de aerossóis e suas propriedades garantem a sobrevivência a diversos fatores ambientais em liberação nas explosões de projéteis como bombas e foguetes. Ainda, levando em conta que o esporo pode sobreviver por até 200 anos no ambiente, estes podem se manter viáveis por longos períodos no solo, derivados seja de excrementos de animais, seja por liberação após produção industrial (PILE et al., 1998; MOCK et al., 2001). 

Quando o esporo invade o corpo humano através da inalação, pele ou por ingestão, eles são fagocitados por macrófagos e se instalam nos gânglios linfáticos onde começam a germinação na forma de bacilo que libera sua exotoxina. Esta, por sua vez, entra em contato com a corrente sanguínea gerando uma grave sepsemia e doenças respiratórias que podem levar a parada cardíaca, fatal em 90% dos casos, sendo uma doença não contagiosa de pessoa para pessoa e período curto de incubação suas características são propícias para uma das armas biológicas mais interessantes já criadas (LANCY, 2002; CHENSUE, 2003; FRANCO-PAREDES et al., 2005). 

Franco-Paredes et al. (2005) afirma que dentro do quadro clínico apresentado pelo B. antracis, o anthrax cutâneo é a forma mais comum, cerca de 95% dos casos são a forma cutânea da patologia. Essa forma ocorre com a deposição do agente sobre a pele ocorrendo a germinação dos esporos no tecido e a liberação de toxinas que formam um edema local, seguido de uma pápula pruriginosa que evolui para uma úlcera e vesículas claras ou serossanguíneas. Com o tempo, as escaras dolorosas secam, descascam e deixam apenas uma cicatriz permanente caso o tratamento surta o efeito desejado. Porém, pode ocorrer Linfagite e Linfadenite em 5% a 20% dos casos (INGLESBY et al., 1999; FRANCOPAREDES et al., 2005). 

A forma clínica com letalidade quase que total é a inalatória conhecida também como Anthrax pulmonar. Seu período de incubação pode ser de um a seis dias depois da 6 exposição, os esporos quando inalados vão para os alvéolos pulmonares através dos macrófagos que são transportador por via linfática e, após a germinação, ocorre a liberação de toxinas, ocorrendo hemorragia, edema e necrose. Os sintomas iniciais podem ser confundidos com uma infecção respiratória e, em um segundo estágio da patologia, pode ocorrer linfadenopatia maciça, meningite hemorrágica, delírio, obnulição, cianose e hipotensão progredindo para a morte em questão de horas (IGLESBY et al.,1999). 

Já a forma intestinal do Anthrax, também chamada de Anthrax gastrointestinal é a forma mais rara dessa patologia e sua contaminação é por meio do consumo de carne bovina contaminada. A forma intestinal está associada a febre, dores abdominais, náuseas, vômitos e diarréia com melena. Observa-se que em 25% a 60% dos casos, há a ocorrência de óbito do infectado (INGLESBY et al., 1999; BORIO et al., 2001; LANE et al., 2001; SUNDELIUS et al., 2004). 

O diagnóstico pode ser feito por meio de imunohistoquímica, prova de reação em cadeia de polimerase (PCR), isolamento e identificação microbiológica com hemocultura, líquidocefalorraquidiano e secreção das lesões (FRANCO-PAREDES et al., 2005). A prevenção pós-exposicional é feita principalmente pela administração do antibiótico ciprofloxacina, podendo ser administrado também a doxiciclina, penicilina e amoxilina, sendo que estas duas últimas só poderão ser administradas quando houver contra-indicação a ciprofloxacina ou doxiciclina segundo as recomendações do CDC dos EUA (IESGLYB et al., 1999; SPARRENBERGER et al., 2003).

Segundo Rabinovitch et al. (2003) ocorreu no Brasil em Dezembro de 2001 um episódio referente a esse assunto, quando foram encontrados “pó” suspeitos em diferentes lugares causando uma mobilização do Ministério da Saúde, órgãos municipais, estaduais e federais, concentrando a análise na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, só a partir desse fato, foi estabelecida uma rotina bacteriológica para a identificação do agente, chegando a conclusão que nenhuma amostra apresentava B. anthracis. 

Botulismo (Clostridium botulinum) 

A bactéria C. botulinum é um bacilo gram-positivo, seus esporos são muito resistentes a altas temperaturas, anaeróbio, não capsulado, com flagelo, possuidor de endotoxinas (CHERINGTON, 1998). O C. botulinum produz sete tipos sorológicos de toxinas, designados por letras de A a G. Os tipos A, B e E são relacionados ao Botulismo humano, é uma doença não transmissível, a sua contaminação pode-se dar por meio da toxina por diferentes vias: inalação, ingestão e por contaminação de pele lesada; porém sua forma inalatória pode ser usada como arma biológica, usando-se aerosóis. O botulismo é considerado de alto potencial, pois um grama de toxina botulínica é o suficiente para matar mais de um milhão de pessoas (ERCOLE et al., 2003; LINDSTRONM et al., 2006; DOWELL et al., 1997). 

A toxina passa através do sangue e da linfa até os locais de ação; no caso, as terminações sinápticas periféricas colinérgicas, que se unem de forma irreversível e conseguem bloquear a liberação da acetilcolina que é um neurotransmissor importante no corpo humano, esse bloqueio gera vários sinais e sintomas relacionados ao relaxamento muscular anormal como: paralisia flácida, simétrica, podendo ou não ser associada a febre, visão turva, vômitos, náuseas, falha na capacidade de expansão do pulmão na respiração, disfagia, mucosa oral seca, fraqueza muscular e parada cárdio-respiratória que leva o indivíduo a morte no período de uma semana (SHAPIRO et al., 1997; FRANZ et al., 1997; CANTERO et al., 2007). 

O tratamento médico deve ser feito por meio da administração da antitoxina precocemente e a prevenção de infecções secundárias, além de cuidados intensivos e o uso de suporte ventilatório para ajudar na respiração (LANE, 2001; ERCOLE et al., 2003). 

Varíola (vírus da Varíola) 

Há indícios que a varíola tenha surgido antes da era cristã na Índia, sendo também descrita em múmias da 18ª dinastia egípcia, essa patologia é causada por um vírus constituído por DNA que pertence ao gênero Orthopoxvirus e da família Poxviridae, no microscópio podem ser vistos os corpúsculos de Pasche e finas granulações, são resistentes se forem mantidas em baixas temperaturas, porém pouco resistentes ao calor, podem permanecer viáveis por muitos anos (SCHATZMAYR, 2001; LEVI et al., 2002; MACHADO, 1989; AMSTRONG et al., 2001). 

Seu contágio ocorre por meio da inalação de gotículas contendo o vírus em suspensão; no contato direto, por lesões cutâneas, secreções orofaríngeas ou por aerossol. Porém, há relatos de contágio da infecção aérea à distância ou pelo manuseio de artigos contaminados, tais como, roupas e lençóis, sendo estas as menos comum. 

O período de 8 contaminação pode chegar a 19 dias. Durante esse período, os sintomas aparecem abruptamente, são eles: febre alta, calafrios, cefaléia, dores nas costas, náuseas, vômitos, prostração, após o início dos sintomas uma erupção aparece primeiro na mucosa da boca e, depois, se espalha pelo corpo, as lesões se apresentam uniformes e de mesmo estado evolutivo, a maioria das pessoas com varíola se recupera. Cerca de 30% dos casos chegam a óbito (LEVI et al., 2002; HENDERSON et al., 1999; ERCOLE et al., 2003).

 O diagnóstico da varíola é um diagnóstico clínico, porém é necessário o descarte da infecção por varicela e o herpes simples, através do exame de microscopia eletrônica que mostra os corpúsculos de Guarniere, permitindo assim sua diferenciação (MACHADO, 1989; LANE et al., 2000). 

Segundo Fenner et al. (1988) o médico inglês Edward Jenner no século XVII começou a perceber que os ordenhadores não se infectavam com a varíola, ou apresentavam a forma branda da doença, pois entravam em contato com as lesões e úberes bovinas; em 14 de maio de 1796 ele coletou material da lesão de uma ordenhadora e inoculou na pele de uma pessoa sem o vírus criando, assim, a primeira forma de vacinação contra a varíola. 

A variolização, processo de vacinação da varíola, não era totalmente desprovido de riscos pois apresentava uma alta incidência de efeitos colaterais. Essa vacinação foi suspensa em 1972, porém após a exposição ao vírus a vacina foi indicada para atenuar a severidade da doença ou preveni-la, se aplicada em um prazo de quatro dias sua alta incidência de efeitos adversos da vacina faz com que a vacinação em massa não seja uma estratégia indicada contra a patologia (MACHADO, 1989; ERCOLE et al., 2003). 

Conforme Levi et al. (2002) a OMS reconheceu em 1980 a erradicação da varíola, sendo conhecida como a primeira patologia erradicada na história. Caso o uso do vírus tenha finalidade terrorista haverá um impacto imensurável, uma vez que, boa parte da população mundial não está imune ao vírus, tudo isso somado ao fato de não haver tratamento antiviral ou disponibilidade suficiente da vacina (BREMAN, 1998; FERRER, 2002). 

Peste bubônica (Yersinia pestis) 

A peste bubônica é uma infecção bacteriana produzida por bacilos Gram-negativos que pertencem a família das enterobactérias, não esporulado, anaeróbio facultativo, oxidase negativo e catalase positiva que tem como hospedeiro natural alguns roedores, chega a 9 infectar o homem através de pulgas infectadas (INGLESBY et al., 2000; ACHTAMAN et al., 2004). 

Segundo Ercole et al. (2003) é uma patologia conhecida desde a Idade Antiga, quando houve uma pandemia no Egito, conhecida como Peste Negra, a Y. pestis usada como arma biológica, em forma de aerossóis, tem a capacidade de transmissão de pessoa para pessoa quando na forma pulmonar, que é uma variante da doença (SILVA, 2001; ERCOLE et al., 2003). 

Os primeiros sintomas da infecção de pulmão por Y. pestis são a febre, cefaléia, fadiga, aparecimento de muco pulmonar purulento ou sanguinolento. Esse quadro pode se agravar gerando um choque séptico evoluindo para óbito. O diagnóstico clínico é baseado pelo aparecimento de ínguas, que é confirmado na cultura de aspiração do linfonodo, também pode ser confirmado por meio de técnicas de imunohistoquímica, seu tratamento é feito a base de antibióticos, com extremo cuidado, pois é uma bactéria altamente contagiosa (ERCOLE et al., 2003; JOSKO, 2004). Conforme Ercole et al. (2003) existe uma vacina contra a peste bubônica, mas sua eficácia ainda é duvidosa para a forma pulmonar da doença. 

Tularemia (Francisella tularensis) 

A Tularemia é uma doença bacteriana causada por um bacilo aeróbio, não esporulado, Gram-negativo, altamente resistente, com necessidades nutricionais específicas para crescimento, a F. tularensis se divide em subespécies que são a tipo (A) altamente virulenta e tipo (B) de baixa virulência, sua transmissão em humanos se dá através da picada de insetos infectados como carrapatos e mosquitos, a transmissão direta nunca foi descrita em literatura (MANDELL et al., 2000; LANE et al., 2003). 

Pode se apresentar em seis diferentes formas: oculoglandular, orofaringeana, ulceroglandular, pulmonar e séptica, depois do período de incubação começa a aparecer os primeiros sintomas que são febre, linfadenopatia regional, fadiga, diarréia, lesões cutâneas e vesicopapulares, sem tratamento adequado ocorre a parada respiratória e o óbito (LANE et al., 2001; DENNIS, 2001; EIROS et al., 2003). 

O diagnóstico definitivo é obtido a partir do cultivo do exudato das lesões ou por testes de imunohistoquímica, a Estreptomicina é usada no tratamento de todas as formas da Tularemia, a profilaxia é feita por meio da vacina da estirpe tipo (B), não virulenta. Porém, 10 só é aplicada em pessoas que trabalham diretamente com esse agente em laboratório (MANDEL et al., 2000; FRANCO-PAREDE et al., 2005). Segundo Cantero et al. (2007) a sua forma eficiente para o uso terrorista seria em aerossóis, é considerada uma arma em potencial, pela capacidade de dispersão, alta virulência e pela capacidade de causar morte. 

Febre hemorrágica (Filovirus e Arenavirus) 

De acordo com Borio et al. (2002) a febre hemorrágica é caracterizada pela infecção com vírus RNA de diferentes famílias, cada uma provocará um tipo de febre hemorrágica em uma determinada região do corpo humano, sua transmissão ocorre por contato direto, através de animais infectados, a transmissão por via aérea ainda é bem discutida e controversa, apresentam alta mortalidade em humanos, fato que leva sua escolha como arma biológica. Na família Filoviridae encontra-se os vírus Ebola, com incubação de três a quatorze dias e o vírus Marburg, com incubação de três a vinte um dias, os principais sintomas que podem aparecer num paciente que contraiu uma dessas febres são: febre elevada, prostração, mialgia, erupção cutânea, petéquia, hematêmese, melena e epistaxes, em uma semana o quadro pode piorar para cegueira, hemorragia generalizada das mucosas, choque até chegar ao óbito (CAMARA, 1995; STRAIGHT et al., 2002). 

Já na família Arenaviridae encontra-se o vírus Lassa, com incubação de cinco a quinze dias e o vírus Arenavirus do Novo Mundo, com incubação de sete a quatorze dias, os principais sintomas dos vírus desta família são: febre gradual, náuseas, mialgias, conjuntivites, petéquias, linfadenopatia generalizada, dores absominais em alguns casos ocorre sangramentos, derrame pleural, choque ou hipotensão, e por fim o óbito. (CAMARA, 1995; ERCOLE et al., 2002). 

O diagnóstico de um paciente infectado por febre hemorrágica é feito através de técnicas de imunoenzimática, como ELISA ou PCR, deve-se ter cuidado para não confundir os sintomas com infecções virais como dengue hemorrágica, rubéola, meningococcemia, entre outras (CAMARA, 1995; CDC, 2001). 

Ainda não existe vacina e nem tratamento específico para esses tipos de febres hemorrágicas, apenas se sabe que o paciente deve ser encaminhado ao isolamento a e terapia intensiva, receber suporte hídrico com reposição de eletrólitos, oxigenoterapia, 11 transfusões e cuidados para complicações hemorrágicas secundárias (MAIZTEGUI et al., 1986; ERCOLE et al., 2003).

Fonte: CPGLS