Causar sofrimento alheio
por prazer não é um desvio da personalidade exclusiva dos assassinos em série
ou dos tarados sexuais.
Triturar insectos vivos
numa máquina, ajudar outra pessoa a fazê-lo, limpar retretes ou permanecer um
certo tempo com as mãos mergulhadas em água gelada. Se tivesse de escolher uma
destas desagradáveis tarefas, qual delas preferiria desempenhar? Uma equipa de
psicólogos mostrou que não são apenas as pessoas consideradas sádicas que optam
por aquela que gera mais sofrimento alheio (obviamente, a primeira). Os
resultados foram publicadosonline na
revista Psychological Science.
Segundo estes autores da
Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e da Universidade do Texas (EUA) -
entre os quais Delroy Paulhus, pioneiro do estudo do lado "sombrio"
da personalidade humana -, o sadismo das pessoas comuns não tem sido suficientemente
estudado. Pensa-se erradamente, ainda hoje, que os sádicos são sempre
assassinos em série ou tarados sexuais. E isso apesar de os filmes, os
desportos e os jogos de vídeo brutais terem muitos adeptos, fazem notar os
cientistas.
"Há quem tenha
dificuldade em conciliar o sadismo com o conceito de funcionamento psicológico
"normal", mas os nossos resultados mostram que as tendências sádicas
em pessoas [socialmente] bem adaptadas devem ser reconhecidas", diz em
comunicado Erin Buckels, co-autora, da mesma universidade canadiana.
Para quantificar esse
sadismo banal, quotidiano, que os seres humanos normais podem ser capazes de
exercer sobre outros seres vivos (incluindo os seus próprios congéneres), os
cientistas conceberam duas experiências - algo que exigiu "uma certa
criatividade", lê-se no artigo, uma vez que existem limitações éticas
evidentes ao estudo experimental do sadismo.
Na primeira experiência,
pediram a uns 70 estudantes universitários para escolherem uma das quatro
tarefas acima referidas, alegando que estavam a realizar um estudo sobre
"personalidade e tolerância aos desafios profissionais".
A tarefa, que consistia em
matar sucessivamente três bichos-da-conta, e que foi escolhida por 26,8% dos
voluntários, era particularmente cruel (já agora, também 26,8% dos
participantes escolheram ser ajudantes na carnificina, sem querer, contudo,
"sujar" as mãos...). Era preciso pegar em cada insecto, colocá-lo num
moinho de café adaptado para o efeito, fechar a tampa e carregar no botão.
Ouvia-se então um horripilante ruído de trituração. Para maior requinte de
crueldade, no início da experiência cada bichinho vinha dentro de um copo de
café, identificado pelo seu nome fofo: Muffin,
Ike, Tootsie.
Diga-se que os
participantes não sabiam que os insectos estavam protegidos das palas do moinho
por uma rede e que iriam portanto sair de lá ilesos. Para eles, a matança era
real. Mas, de facto, "nenhum bicho foi magoado durante a
experiência", escrevem os cientistas.
A experiência mostrou que
os participantes que tinham preferido escolher esta tarefa eram aqueles que,
segundo um teste psicológico prévio, apresentavam os níveis mais elevados de
sadismo. Estes participantes também foram, de entre todos, os que declararam
ter sentido maior prazer em desempenhar a sua tarefa. E o nível de sadismo
também revelou estar associado ao número de insectos exterminados (podiam
desistir da tarefa em qualquer altura).
Porém, salientam os
cientistas, o facto de se gostar de matar insectos não implica que se goste de
fazer sofrer outro ser humano. Por isso, realizaram uma segunda experiência, em
que outros 70 participantes podiam exercer crueldade sobre uma vítima inocente.
Mais precisamente, jogavam um jogo de computador contra um adversário que se
encontrava na sala ao lado e podiam, de cada vez que o adversário perdia,
rebentar-lhe os tímpanos com um som muito desagradável cujo volume e duração
controlavam. Mais uma vez, apenas os sádicos escolheram aumentar o volume do
som emitido mal perceberam que o adversário não iria retaliar. E apenas os
sádicos se mostraram dispostos a perder tempo com uma tarefa prévia, morosa e
sem interesse (de contagem de letras num texto) para poderem, a seguir,
disparar à vontade o alarme sonoro contra a sua vítima inocente.
Para os cientistas, estes
resultados sugerem que o que motiva os sádicos (ao contrário do que acontece
com outras facetas "sombrias" de personalidade, como a psicopatia, o
narcisismo ou o maquiavelismo) é o puro prazer que o sofrimento alheio lhes
proporciona. Os sádicos estão mesmo dispostos a fazer um esforço, a pagarem um
preço para poderem infligir dor.
Este tipo de pesquisas,
afirmam os cientistas, pode permitir perceber melhor fenómenos tais como o bullying, a violência doméstica
e os maus tratos a animais, bem como os casos de abusos policiais e militares.
Também estão a estudar uma versão online do sadismo quotidiano: o trolling, em que pessoas
publicam comentários nas redes sociais e demais sites interactivos apenas pelo prazer de
verem as reacções de ódio mútuo que suscitam entre os outros utilizadores.
Fonte: Público
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