A polícia realizou uma operação, no dia 14 desse mês, para desarticular
uma quadrilha que realizava abortos no Rio de Janeiro. Ao todo, são 75
mandados de prisão e 118 mandados de busca e apreensão contra integrantes da
organização apontada como a principal responsável pela prática de abortos no
estado. Segundo a Corregedoria da Polícia Civil no Rio de Janeiro, há registros
de que a quadrilha desmantelada neste dia realizava abortos em meninas de 13
anos de idade. Até as 18h30, 57 pessoas haviam sido presas.
Uma das prisões realizadas durante a ação policial |
Entre
os detidos na operação Herodes estão seis médicos, seis policiais civis, três
policiais militares, um bombeiro, dois advogados e um sargento do Exército.
Também
estão na lista Rosemere Aparecida Ferreira, Vanusa Vais Baldacine, Carlos
Augusto Graça de Oliveira e Mônica Gomes, que já estvam presos e indiciados por aborto,
homicídio e ocultação de cadáver de Jandira Magdalena dos Santos,
de 27 anos, que desapareceu após sair para fazer um aborto no fim de agosto.
O
médico Aloísio Soares Guimarães é considerado pela polícia como um dos chefes
da quadrilha. Ele, que é morador do Leblon, faria abortos desde 1972 em uma
clínica clandestina em Copacabana. Também foram presos três médicos, quatro
policiais civis, dois policiais militares – entre eles um major – e um
bombeiro. Há também apreensão de material, como medicamentos e documentos.
De
acordo com o delegado da corregedoria, Felipe Bittencourt do Vale, a demanda
era muito maior do que a oferta. "Em determinadas clínicas, o médico
chegava a se recusar a atender mais de 10 gestantes por dia", afirmou.
Na
ação, a polícia apreendeu pelo menos R$ 532 mil, grande parte em dólares. O
dinheiro foi encontrado na casa do médico Aloísio Soares Guimarães (a maior
parte) e do inspetor da Polícia Civil Francisco de Paula da Silva.
A
investigação, que durou 15 meses, é a maior já realizada para combater esse
tipo de prática criminosa no Brasil, em um inquérito policial com 56 volumes e
14.108 páginas. O levantamento mostrou que duas mil mulheres teriam se
submetido a alguma intervenção em clínicas clandestinas e 80 delas já foram
ouvidas pela polícia.
Durante
a apuração, a Corregedoria Interna da Polícia Civil do Rio de Janeiro (Coinpol)
constatou que a organização criminosa era dividida em sete núcleos - Campo
Grande, Copacabana, Botafogo, Bonsucesso, Rocha, Tijuca, Guadalupe - com área
de atuação na capital e na Região Metropolitana.
De
acordo com as investigações, o público alvo da quadrilha eram mulheres,
inclusive menores de idade, nas mais variadas etapas de gestação, até o sétimo
mês de gravidez. Os valores cobrados pelo grupo por procedimento abortivo é de
até R$ 7.500. Por mês, cada núcleo chegava a lucrar até R$ 300 mil.
Com
base em documentos apreendidos pela Coinpol em uma clínica em Bonsucesso, no
Subúrbio do Rio, foi possível identificar cerca de dois mil procedimentos
realizados, com receita provável acumulada de R$ 2.771.150.
A
organização criminosa, além de atender gestantes do Rio de Janeiro, prestava
serviços para mulheres grávidas de outros estados, atendendo sempre em locais
sem quaisquer condições de higiene e salubridade, expondo a risco a integridade
física e a saúde das pacientes.
A
Operação Herodes conta com a participação de 70 delegados e 430 agentes da
Polícia Civil, com o uso de 150 viaturas e apoio da Corregedoria Geral
Unificada (CGU), da Corregedoria Interna da Polícia Militar e do Exército
Brasileiro. Havia equipes de policiais civis também em São Paulo e Espírito
Santo para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão.
Os indiciados |
A Operação Policial
Segundo o chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro,
Fernando Veloso, a operação representa um marco na história desse tipo de
crime. "A história dessas pessoas demonstra que eles já vêm há muitos anos
numa história de crimes sem punição. A legislação é muito benevolente com esse
tipo de crime", afirmou Veloso, destacando que até hoje essas pessoas eram
presas apenas em flagrante e depois acabavam sendo soltas por alguma medida
cautelar. Na ação desta terça a polícia visa cumprir mandados de prisão
preventiva contra os 75 indiciados.
Para
fugir da ação policial, a quadrilha chegou a usar o esquema de clínica
itinerante. "Usavam, inclusive, a residência de seus integrantes para
burlar a polícia. Há registros também de membros da clínica de Campo Grande
atuando em Xerém, em Duque de Caxias", afirmou o delegado Felipe
Bitencourt.
De
acordo com a polícia, entre os médicos presos na operação desta terça há casos
como o do médico Aloísio Soares Guimarães, que teve a primeira anotação
criminal pelo crime de aborto em 1972, e o do médico Bruno Gomes da Silva, que
teve a primeira anotação em 1977. Ambos continuavam cometendo o crime de
prática abortiva até hoje. Além de 180 mil dólares apreendidos na casa do
médico, também foram encontrados documentos da abertura de uma conta na Suíça e
um extrato de 5 milhões, que a polícia está apurando se na moeda real ou dólar.
Na
casa de Aloísio também foram encontrados dois aparelhos de sucção utilizados
para realizar abortos. "Os médicos que estão sendo presos hoje são
açougueiros humanos. Eles matam como se estivessem matando bezerros. Essa é a
visão dessas pessoas", criticou o delegado Glaudiston Galeno, ressaltando
que apenas a médica Ana Maria G. Barbosa, presa na manhã desta terça, já havia
sido denunciada em 2001 pela prática de 6.352 abortos.
Crimes além do aborto
Os 75 indiciados respondem pela prática de 37
abortos, mas ao longo dos 15 meses de investigação também forma apurados
diversos crimes que foram imputados diversos deles de formas variadas, são
eles: corrupção passiva, prevaricação, exercício ilegal da medicina, associação
para o tráfico de drogas, corrupção ativa e associação criminosa armada.
Entre
os agentes públicos presos na ação estão o major da Polícia Militar Paulo
Roberto Nigri, e o inspetor da Polícia Civil Alexandre Vieira de Lima, que
dariam proteção ao esquema da clínica de abortos de Copacabana, uma das que
possuía maior faturamento.
Ainda de acordo com a Corregedoria, a sensação de impunidade e a alta
lucratividade motivavam médicos indiciados. "Essas apreensões são só o
começo. Todos eles moravam na Zona Sul e na Barra, tinham carros como Mercedes
Bens, Audi e Toyota Corola e moravam em apartamentos de luxo", afirmou
Galeno.
Beltrame:
'Nossa função é cortar na própria carne'
Para o secretário de Segurança Pública do Rio, José
Mariano Beltrame, a polícia do Rio deu um passo a frente no combate a esse tipo
de crime. "A polícia do Rio de Janeiro da um exemplo para todo o Brasil.
Esses não é um problema aqui do Rio de Janeiro, é um problema recorrente em vários lugares, mas o Rio de Janeiro na dimensão desse trabalho arranca na
frente", disse Beltrame.
Sobre
a atuação de policiais civis e militares na quadrilha, Beltrame voltou a
garantir que qualquer policial que cometa crimes será investigado e punido.
"Não escolhemos trabalho. Se for policial civil ou militar a gente tem que
fazer esse trabalho. É função nossa cortar a própria carne. Eu acho que a
polícia ela só ganha com isso. Mostra para a sociedade que ela busca a autoria
em quem tiver praticando esse tipo de ato", garantiu o secretário que não
descarta a possibilidade de expulsão dos agentes, mas lembrou que é preciso dar
a esses policiais a chance da ampla defesa, como determina a constituição.
Casos
recentes
Dois casos recentes de abortos chamaram a atenção da sociedade. Jandira Magdalena dos
Santos, de 27 anos, morreu durante o procedimento de aborto. O
corpo foi encontrado dentro de um veículo queimado na Zona Oeste da cidade.
Depois de mais de um mês de investigações, nove pessoas foram indiciadas pelos
crimes de homicídio qualificado, aborto, ocultação de cadáver e formação de
quadrilha.
Elizângela Barbosa, uma das vítimas da quadrilha |
Elizângela Barbosa, de 32 anos, também morreu depois de ser submetida a
um aborto em Niterói, Região Metropolitana do Rio. A mulher, que tinha três
filhos, estava grávida de cinco meses e decidiu não ter o quarto filho. Na
operação, um tubo de plástico foi deixado dentro do útero, fato que foi
comprovado pelos legistas. Na delegacia, o marido dela disse que deixou a
esposa na periferia de São Gonçalo, onde ela se encontrou com um homem que a
levaria à clínica de aborto. Na bolsa, a vítima levava R$ 2,8 mil para pagar
pelo procedimento.
Hoje, dia 29 de outubro, no Rio de Janeiro, mais
duas pessoas foram presas por participação na maior quadrilha de aborto do
Brasil. Ao todo, 61 pessoas foram detidas e 14 continuam foragidas.
O
médico Guilherme Estrela Aranha, chefe do núcleo abortivo da Tijuca, na zona
norte do Rio de Janeiro, foi preso na madrugada desta quarta-feira, 29, por
agentes da Corregedoria Interna da Polícia Civil (Coinpol) e da Coordenadoria
de Informação e Inteligência Policiais (Cinpol).
Aranha
foi detido quando deixava uma clínica médica, no bairro de Neves, em São
Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
Já o
policial civil Agostinho Rodrigues da Silva Neto se apresentou na sede da
Divisão Anti-sequestro (DAS), no Leblon, na zona sul da capital, onde foi
cumprido o mandado de prisão expedido pela 4ª Vara Criminal da Capital.
Fontes: G1 Rio de Janeiro e Estado de Minas
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