Manifestações foram
organizadas em todo o país durante o último fim de semana e uma hashtag com o
nome da garota, Ozgecan Aslan, foi usada mais de 3,3 milhões de vezes. Mas as
redes sociais também explodiram com outras hashtags relacionadas a mulheres revelando
suas próprias histórias de abuso sexual.
Num
momento em que as mulheres turcas começam a levantar a voz contra o estupro, o
abuso e o assédio sexual, a BBC entrevistou a psiquiatra Sahika Yuksel, em
Istambul, para tentar entender como funciona a mente de um estuprador:
BBC:
Por que homens estupram? O que motiva um estuprador?
Sahika
Yuksel: É completamente errado supor
que homens estupram por causa de necessidades hormonais. Um homem na rua não
estupra uma mulher de qualquer jeito. Sabendo que é algo impróprio, eles tendem
a fazê-lo secretamente.
O estupro não é um ato sexual. É um ataque. Trata-se de vencer, de conseguir um objeto – e a mulher é objetificada neste caso. Trata-se de poder. E há também pessoas que sentem prazer com isso. - Sahika Yuksel
O
estupro não é um ato sexual. É um ataque. Trata-se de vencer, de conseguir um
objeto – e a mulher é objetificada neste caso. Trata-se de poder. E há também
pessoas que sentem prazer com isso.
O
estupro é considerado o comportamento mais grave (em relação a uma mulher),
isso é verdade, mas não é o único tipo de agressão que os homens cometem.
Quando
a violência psicológica, a violência física, a violência financeira, o
desrespeito por direitos das mulheres e a discriminação são permitidos e
normalizados, também ocorrem estupros
BBC:
A maneira como um homem é criado tem alguma relação com o fato de ele cometer
agressão sexual na vida adulta?
Yuksel: As crianças são educadas de acordo com
valores que atribuem mais poder aos homens na cultura. A mãe é ensinada a
tratar seu marido de maneira diferente e a obedecer a sua dominação
autoritária.
Yuksel |
Portanto,
ela espelha esse comportamento com seu filho e com sua filha. Sabemos que
meninas cujas mães enfrentaram violência doméstica tendem a sofrer mais
violência em seus próprios casamentos e relacionamentos.
Homens
cujas mães apanharam de seus pais têm maior tendência a serem abusivos em seus
próprios relacionamentos.
Meninos
e meninas são definidos pela sociedade pelo fato de suas mães serem tratadas
por seus pais como indivíduos de segunda classe.
Pode-se dizer que é
um problema global e que é possível ver traços semelhantes dele em todo o
mundo. Mas lutar contra isso é outra coisa.
As mulheres (na
Turquia) geralmente recebem uma educação pior do que a dos homens, e políticos
afirmaram diversas vezes que homens e mulheres não são equivalentes.
BBC: Como você lidaria com um indivíduo do sexo masculino que
admita ter esta tendência (a praticar estupro) e que procure ajuda?
Yuksel: Ninguém pode mudar
se não aceitar que suas ações são erradas e se responsabilizar por elas. Se ele
for pego e declarar que não tinha a intenção de fazê-lo, isso não levará a uma
mudança de comportamento.
É muito pequeno o
número de homens que detectam essa tendência em si mesmos e pedem ajuda antes
de serem pegos.
O
caminho é reabilitar os que cometem crimes sexuais enquanto eles cumprem suas
sentenças na prisão. Toda pessoa tem o direito de ser tratada e reabilitada.
Há muitos programas
de reabilitação que tratam criminosos sexuais em todo o mundo, e o risco de
reincidência entre os participantes é bem mais baixo do que entre os que não
têm nenhum tipo de ajuda na prisão. Esses programas são especialmente benéficos
para adolescentes que cometem crimes sexuais.
Gostaria de tocar em
um ponto específico nesta discussão: há propostas de castrar criminosos sexuais
e de trazer de volta a pena de morte. A pena de morte não é humanitária.
Sabemos muito bem que nos Estados Unidos o número de crimes não diminuiu nos
estados em que a pena de morte é aplicada. Essas medidas não são impeditivas.
Isso (estas
propostas) são as pessoas em cargos altos tentando silenciar as multidões.
Sempre ouvimos essa retórica após cada caso sensacional de estupro. Mas não
estamos falando de vingança. Queremos que nossa sociedade fique tão livre
quanto possível do abuso sexual e do estupro.
BBC:
O que uma mulher (de qualquer idade) que sofreu violência sexual pode fazer –
se conseguir falar sobre o assunto?
Yuksel: Em sociedades ou
culturas onde a sexualidade é considerada um tabu e as relações sexuais antes
do casamento são condenadas, ataque sexuais quase nunca são denunciados.
Um estuprador sabe
bem disso e pode ameaçar as mulheres de contar às suas famílias o que
aconteceu. Por isso, ele segue em frente com seus atos ilegais. Ele pode até
mesmo chantagear a mulher e contar aos amigos sobre ela para continuar o abuso
sexual.
Mulheres que foram
estupradas podem buscar o caminho da Justiça, é claro – podem conseguir apoio
social e psicológico. Elas também podem conversar com seus amigos mais próximos
e confiáveis.
A melhor maneira de
se recuperar do abuso ou da violência sexual é não ficar calada.
Agressões sexuais
podem levar a problemas físicos, doenças sexualmente transmissíveis e a uma
gravidez indesejada. Por isso, é muito importante que a mulher violentada seja
examinada rapidamente, para que as medidas necessárias sejam tomadas.
Pode
haver problemas de curto prazo ou de longo prazo, que precisam ser tratados
ainda algum tempo depois do ataque. Seria ideal ter centros para o atendimento
de mulheres que sofreram ataques, onde elas pudessem receber a ajuda necessária
sem atraso.
Um homem cuja
parceira sofre uma agressão sexual pode passar por momentos difíceis e também
precisa de apoio psicológico e social.
Fonte: BBC Brasil