Palco de uma das maiores atrocidades
contra a humanidade no Brasil, o hospício conhecido como Colônia, em Barbacena
(MG), violou, matou e mutilou dezenas de milhares de internos. Acredita-se que
de 1930 até 1980 cerca de 60 mil pessoas morreram dentro dos murros do hospital
Colônia.
O que era antes um sanatório particular para tratamento de tuberculose passou a ser o primeiro hospital psiquiátrico de Minas, dando assistência para pessoas com todo tipo de problema psiquiátrico.
Com o passar dos anos, o tratamento
dispensado aos pacientes passou a ser desumano e degradante, atingindo elevadas
taxas de mortalidade. O hospital Colônia tornou-se depósito de doentes e
marginalizados, minorias. Alcoólatras, homossexuais, prostitutas, epiléticos,
tímidos e até meninas que engravidavam antes do casamento eram mandadas para
lá. Aproximados 70% dos pacientes não tinham doença mental alguma.
Inevitavelmente, Barbacena ganhou o título de “Cidade dos Loucos”.
Os internos perdiam suas roupas e até
o seu próprio nome. Viviam nus, comiam ratos, bebiam água do esgoto, dormiam ao
relento e às vezes amontoados. Nas noites geladas, eram cobertos por trapos.
Morriam pelo frio, pela fome ou por doença, que, na maioria das vezes, eram
adquiridas pelos maus tratos. Em alguns períodos, chegou-se a registrar uma
média de 16 óbitos ao dia.
A instituição tornou-se entreposto de
comércio de cadáveres, sendo os corpos vendidos para faculdades de medicina.
Quando não havia interessados na compra, os defuntos eram banhados em ácido no
pátio, diante dos outros internos.
Até o ano de 1980 cerca de 1853
corpos foram vendidos para 17 faculdades diferentes, sem contar as diversas
"peças anatômicas" como fígados e corações, sem contar os esqueletos
negociados. Acredita-se que esse comércio movimentou um montante de 600 mil
reais.
O HOSPITAL COLONIA
Criado pelo governo estadual, em
1903, para oferecer "assistência aos alienados de Minas", até então
atendidos nos porões da Santa Casa, o Hospital Colônia tinha, inicialmente,
capacidade para 200 leitos, mas atingiu a marca de cinco mil pacientes em 1961,
tornando-se endereço de um massacre. A instituição, transformada em um dos
maiores hospícios do país, começou a inchar na década de 30, mas foi durante a
ditadura militar que os conceitos médicos simplesmente desapareceram. Como já
foi mencionado anteriormente, para lá eram enviados desafetos políticos,
homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos,
pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive, doentes
mentais.
Sem qualquer critério para
internação, os deserdados sociais chegavam a Barbacena de trem, vindos de
vários cantos do país. Eles abarrotavam os vagões de carga de maneira idêntica
aos judeus levados, durante a Segunda Guerra, para os campo de concentração
nazista de Auschwitz, na Polônia. Os considerados loucos desembarcavam nos
fundos do hospital, onde o guarda-freios desconectava o último vagão, que ficou
conhecido como "trem de doido". A expressão, incorporada ao vocabulário
dos mineiros, hoje define algo positivo, mas, na época, marcava o início de uma
viagem sem volta ao inferno. Wellerson Durães de Alkmim, 59 anos, membro da
Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, jamais
esqueceu o primeiro dia em que pisou no hospital em 1975.
"Eu era estudante do Hospital
de Neuropsiquiatria Infantil, em Belo Horizonte, quando fui fazer uma visita à
Colônia 'Zoológica' de Barbacena. Tinha 23 anos e foi um grande choque
encontrar, no meio daquelas pessoas, uma menina de 12 anos atendida no Hospital
de Neuropsiquiatria Infantil. Ela estava lá numa cela, e o que me separava dela
não eram somente grades. O frio daquele maio cortava sua pele sem agasalho. A
metáfora que tenho sobre aquele dia é daqueles ônibus escolares que foram fazer
uma visita ao zoológico, só que não era tão divertido, e nem a gente era tão
criança assim. Fiquei muito impactado e, na volta, chorei diante do que vi."
ESGOTO: A FONTE DA ÁGUA DOS
INTERNOS
Entrar na Colônia era a decretação de uma
sentença de morte. Sem remédios, comida, roupas e infraestrutura, os pacientes
definhavam. Ficavam nus e descalços na maior parte do tempo. No local onde
haviam guardas no lugar de enfermeiros, o sentido de dignidade era
desconhecido. Os internos defecavam em público e se alimentavam das próprias
fezes. Faziam do esgoto que cortava os pavilhões a principal fonte de água. "Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A
coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em
cochos, e os doidos avançando para comer, como animais.
Visitei o campo de
Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade
planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de
ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os
eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da
cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam
fraturas graves", revela o psiquiatra e escritor Ronaldo
Simões Coelho, 80 anos, que trabalhou na Colônia no início da década de 60 como
secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica,
substituída, em 77, pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais
(Fhemig). A Fhemig continua responsável pela instituição, reformulada a partir
de 1980 e, recentemente, transformada em hospital regional. Hoje, o Centro
Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) atende um universo de 50 cidades e
uma população estimada em 700 mil pessoas.
CAPIM COMO CAMA
Os pacientes da Colônia, em sua
maioria, dormiam no "leito único", denominação para o capim seco
espalhado sobre o chão de cimento, que substituía as camas. O modelo chegou a
ser oficialmente sugerido para outros hospitais "para suprir a falta de
espaço nos quartos."
Em meio a ratos, insetos e dejetos,
até 300 pessoas por pavilhão deitavam sobre a forragem vegetal. "O frio de
Barbacena era um agravante, os internos dormiam em cima uns dos outros, e os
debaixo morriam. De manhã, tiravam-se os cadáveres", contou o psiquiatra
Jairo Toledo, diretor do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB).
Marlene Laureano, 56 anos,
funcionária do CHPB desde os 20, era uma espécie de faz-tudo. "Todas as
manhãs, eu tirava o capim e colocava para secar. Também dava banho nos
pacientes, mas não havia roupas para vestirem. Tinha um pavilhão com 300
pessoas para alimentar, mas só tinha o suficiente para 30. Imagine! Só
permaneci aqui, porque tinha a certeza de que um dia tudo isso ia melhorar, sei
que Deus existe."
A DESCOBERTA
Como dito anteriormente a situação do
hospital Colônia se agravou durante o período da ditadura militar, época em que
pouquíssimas pessoas se opunham as vontades e desvontades do governo militar.
Assim fica fácil identificar porque tantos maus tratos aconteceram sem que
ninguém denunciasse as atrocidades. Afinal a quem denunciar?
No ano de 1961 imagens registradas
pelo fotógrafo Luiz Alfredo, então correspondente do jornal "O
Cruzeiro", foram incluídas em um livro intitulado "Colônia". As
imagens foram fruto de uma investigação de 30 dias, e registraram a rotina dentro
do campo de concentração brasileiro. Porém o livro foi publicado apenas
no ano de 2008.
O assunto voltou a mídia recentemente
graças ao lançamento do livro: “Holocausto Brasileiro: Vida, Genocídio e 60
Mil Mortes no Maior Hospício do Brasil”, dá jornalista investigativa
Daniela Arbex.
O objetivo do livro é fazer com que
os brasileiros fiquem cientes do que aconteceu na época. Sem nenhuma forma de
censura, mostra exatamente a classificação de “indesejado social”, estigma
criado pelos governantes e pela população.
CONDENAÇÃO DOS CULPADOS
Lá já se vão mais de 50 anos desde
que as fotografias de Luiz Alfredo foram registradas, e desde lá ninguém foi
punido pelo o que aconteceu em Barbacena, a exemplo de tantos outros crimes
cometidos na época do regime militar. Em qualquer outro país do mundo antigos
crimes são investigados, mas não no Brasil, aqui parece que é melhor esquecer a
dor que essas antigas feridas já causaram, e deixar os responsáveis por tais
atos livre e impunes. A impunidade no Brasil é uma doença muito antiga por
sinal. E o melhor de tudo é que a instituição continua funcionando, abrigando
190 pacientes sob a guarda do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena
(CHPB).
Abaixo podemos conferir algumas das
imagens registradas por Luiz Alfredo:
Fonte: Noite Sinistra