Febrônio nasceu na cidade de São Miguel de Jequitinhonha, atual Jequitinhonha,
estado de Minas Gerais,
provavelmente em 14 de janeiro de 1895. Era o segundo de
catorze filhos do casal Theodoro Simões de Oliveira e
Reginalda Ferreira de Mattos. Seu provável nome verdadeiro era Febrônio
Ferreira de Mattos, mas ganhou fama como Febrônio Índio do Brasil, o Filho da Luz, pois assim se apresentava
para policiais, jornalistas,
autoridades judiciárias e psiquiatras forenses.
Seu pai, Thedorão, como era
mais conhecido, trabalhava como lavrador,
mas exercera durante algum tempo o ofício de açougueiro.
Era alcoólatra e, com muita frequência, agredia violentamente sua esposa. Várias vezes
Febrônio presenciou os espancamentos de sua mãe. Thedorão era também violento
com os filhos.
Em 1907, aos 12 anos de idade, Febrônio fugiu de casa, na companhia de um caixeiro-viajante.
Ficou vagando pelas localidades vizinhas à sua cidade-natal, até que chegou a Diamantina,
onde foi alfabetizado e ganhou a vida como copeiro.
Mais tarde, passou a morar em Belo Horizonte,
sobrevivendo graças ao trabalho de engraxate e de auxiliar de serviços domésticos.
Em 1909, Febrônio, então com
14 anos, foi para o Rio de Janeiro, então Capital Federal.
Retornou à capital do estado de Minas Gerais em 1916, quando foi
identificado como Pedro de Souza, mas logo regressou ao
Rio de Janeiro.
O INÍCIO DA VIDA CRIMINOSA
Desde
que voltou ao Rio de Janeiro, Febrônio começou a delinquir, tendo sido
registradas, entre 1916 e 1929, dezenas de passagens
pela polícia por fraude, chantagem,suborno, furto, roubo e vadiagem.
Numa
dessas detenções, em 1920, na Colônia
Correcional Dois Rios, na Ilha Grande, Febrônio, que passara a ler a Bíblia nos intervalos da praxiterapia e durante a noite, teve uma visão na qual uma mulher de longos cabelos loiros o escolheu como o Filho
da Luz, título que lhe trazia a incumbência de declarar a todos que Deus não havia morrido. Segundo a visão,
ele deveria tatuar-se e tatuar meninos, ainda que com emprego de força física,
com o símbolo D C V X V I, que significava Deus,
Caridade, Virtude, Santidade, Vida, Ímã da vida. A tatuagem serviria como talismã para
aqueles que a exibissem no corpo. Agindo conforme o que lhe fora ordenado na
visão, Febrônio tatuou a frase Eis o Filho da Luz em seu tórax e, em toda a circunferência de seu tronco,
as letras D C V X V I. Febrônio, então, começou a escrever o livro As revelações do
Príncipe do Fogo, que foi publicado em 1926, o qual traz
mensagens incompreensíveis, tiradas dos mistérios oníricos que lhe eram transmitidos.
Em 1921, ao sair da Colônia
Correcional, Febrônio montou uma cooperativa médica nomeada A
Auxiliadora Médica, anunciada nos classificados do jornal Correio da Manhã. O anúncio foi lido pelo dentista Dr.
Bruno Ferreira Gabina, que se associou à cooperativa. Febrônio,
apresentando-se como Joaquim Índio do Brasil, alugou um consultório para o
odontólogo e passou, então, a auxiliá-lo em seus atendimentos, mas os dois
abandonaram o local um mês depois, sem pagar o valor da locação.
Em 1922, após apoderar-se do diploma do Dr. Bruno Gabina, Febrônio abriu um
consultório odontológico próprio, na Rua Visconde do Rio Branco, bem no Centro do Rio de Janeiro, onde demonstrava
comportamento sádico ao extrair, subsequentemente, vários dentes sadios daqueles que buscavam sua
assistência. Devido à má reputação adquirida, transformou seu consultório em agência de empregos, com a qual enganou as
pessoas que, à procura de trabalho, depositaram dinheiro como caução a Febrônio. Perseguido pela polícia,
mudou-se para a Bahia em 1925, onde atuou como
falso dentista mediante o nome de Dr. Febrônio Simões de Melo Índio do Brasil.
De lá veio a instalar-se em Mimoso do Sul,
no estado do Espírito Santo, local em que atuava como
falso médico,
sob o nome de Dr. Bruno Ferreira Gabina, onde não
ficou muito tempo em virtude da morte de duas crianças para quem ele havia prescrito medicamentos.
Depois, na cidade mineira de Rio Casca, apresentando-se como Dr.
Uzeda Filho, continuou a atuar como falso médico, chegando a causar a morte
de uma mulher em trabalho de parto.
De
volta ao Rio de Janeiro, Febrônio foi preso em 8 de outubro de 1926, flagrado em atitude suspeita
no morro do Pão de Açúcar. Como apresentava ideias
delirantes e mentia
compulsivamente, foi internado no Hospital Nacional de Psicopatas, de
onde saiu poucas semanas depois. Nessa internação foi examinado pelo insigne psiquiatra Dr. Adauto Botelho, quem primeiro
diagnosticou que Febrônio era um doente mental.
PRIMEIROS CRIMES SEXUAIS
Em
janeiro de 1927, estando mais uma vez
preso, Febrônio subjugou sexualmente dois colegas de cela na 4ª
Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro. Ao investir contra um terceiro, o
menor Djalma Rosa, encontrou sua resistência e o espancou até a morte.
Posto
provisoriamente em liberdade, Febrônio voltou a ser preso em 21 de fevereiro de 1927, no morro do Corcovado,
enquanto dançava, completamente nu e com o corpo todo pintado de amarelo, na
frente de uma criança aterrorizada que estava amarrada ao tronco de uma árvore.
Como ouviu de testemunhas que Febrônio, mais cedo, havia sido flagrado
cozinhando, na casa em que era inquilino, uma cabeça humana furtada do Cemitério do Caju, o delegado o
encaminhou outra vez para o Hospital Nacional de Psicopatas. Na ocasião, foi
examinado pelo eminente psiquiatra Dr. Juliano
Moreira, que, auxiliado pelo Dr. Henrique Roxo, ratificou que
Febrônio padecia de doença mental.
Em
abril de 1927, Febrônio foi internado no Hospício Nacional de Alienados, na Praia Vermelha.
Ao receber alta, levou consigo outro interno que também estava de alta, o jovem Jacob
Edelman, de 17 anos, a quem prometeu emprego em seu consultório
odontológico. No caminho, eles buscaram Octávio de Bernardi, 17 anos, um rapaz
que recebera proposta de emprego de Febrônio, desta vez num abatedouro.
À noite, em um local deserto em Mangaratiba, município do litoral sul fluminense,
tatuou a inscrição D C V X V I no tórax de Jacob, diante da
testemunha aterrorizada de Octávio. Poucos dias depois, na Praia das Flecheiras, local
ermo situado no extremo oeste da Ilha do Governador, área que futuramente foi
aterrada para a construção do Aeroporto do
Galeão, Febrônio violentou Jacob sexualmente; logo, fez o mesmo
com Octávio, não sem tatuá-lo antes. Mais uns dias os dois rapazes foram
soltos, muito aterrorizados, porém vivos.
Febrônio
voltou a tatuar outra vítima, Manoel Alves, de 18 anos, no início do
mês de agosto de 1927, enganando-o com uma falsa promessa de emprego.
Conduzido
até a Casa de Detenção, Febrônio cometeu novamente delitos sexuais contra
colegas de cela. Em 8 de agosto de 1927, foi libertado, afinal já
havia sido absolvido do crime de homicídio de Djalma Rosa em 27 de julho desse mesmo ano. Ao sair, ele trajava
uma farda azul-marinho; usava também um boné que acabara de furtar de um colega de
cela.
HOMICÍDIOS DE GRANDE REPERCUSSÃO
No dia 13 de agosto de 1927, Febrônio, vestindo a mesma
farda e o boné com que saíra da Casa de Detenção, persuadiu os familiares de Alamiro José Ribeiro de que o rapaz de 20 anos deveria
acompanhá-lo para aceitar emprego em uma empresa de ônibus.
Quando se encontravam em uma bosque ermo na Ilha
do Ribeiro, próxima a Jacarepaguá, Febrônio atracou-se com Alamiro diante das
negativas do jovem às suas investidas libidinosas. Febrônio terminou por estrangular o rapaz com um cipó verde que achou no local, até que ele
morresse por asfixia.
O corpo de Alamiro, vestido apenas com uma camisa e coberto pelas demais roupas, foi encontrado
dois dias depois, no mesmo local do crime.
No
mesmo dia em que o cadáver de Alamiro foi achado, dia 15 de agosto de 1927, Febrônio, recorrendo mais uma
vez a uma enganosa promessa de emprego, tatuou um garoto de 16 anos, de nome
Joaquim, que só não teve destino pior porque conseguiu fugir.
Talvez
por ter ficado ciente da comoção social gerada pelo homicídio de Alamiro,
Febrônio viajou para Petrópolis,
hospedando-se no quarto 3 do Hotel Rio Branco. Novamente se passou
pelo Dr. Bruno Ferreira Gabina para poder atuar como falso dentista. Nessa
cidade, Febrônio comprou um terno de um alfaiate e deixou como entrada a farda
azul-marinho que trajava por ocasião do assassinato de Alamiro. Quando o alfaiate foi ao hotel para receber a segunda parte de seu
pagamento, Febrônio notou-lhe um cisto no pescoço e se propôs a tratá-lo, o que fez com
aplicação de tintura de iodo seguida de um golpe rasgante e súbito
de canivete,
provocando uma hemorragia dolorosa que precipitou a fuga do
alfaiate, sem esperar pelo dinheiro que lhe era devido.
Poucos
dias depois, retornou ao Rio de Janeiro.
Em 29 de agosto de 1927, abordou João
Ferreira, de 10 anos, mais conhecido entre seus amigos e familiares como Jonjoca.
Febrônio enganou os pais do garoto ao ofereceu-lhe emprego de copeiro e,
contando com a permissão de ambos, partiu com ele. Quando se viram isolados na
mata do Largo do França, Febrônio prometeu a Jonjoca um terno de presente
caso o menino aceitasse que lhe fosse feita no tórax uma tatuagem semelhante à
que Febrônio possuía. Amedrontado, ele consentiu, e Febrônio realizou o
procedimento com uma agulha, linha e tinta vermelha.
Mais tarde, eles seguiram para a mata da Ilha do Ribeiro, onde Jonjoca foi
estrangulado com uma corda até a morte. O cadáver do menino só
foi encontrado em 7 de setembro daquele mesmo ano, despido, jazendo
cerca de 300 metros do local onde fora descoberto o corpo
de Alamiro, a vítima anterior de Febrônio.
INDICIAMENTO E JULGAMENTO
Em 16 de agosto de 1927 a polícia foi avisada que um
cadáver tinha sido encontrado na Ilha do Ribeiro, no dia anterior. O corpo foi
reconhecido como sendo o de Alamiro José Ribeiro, ao lado do qual estava um
boné. Um dos investigadores se lembrou que, poucos dias atrás, um detento havia saído da prisão trajando aquele
boné. Na Casa de Detenção, o investigador obteve a informação de que aquele
boné havia sido furtado de um detento por Febrônio Índio do Brasil, no dia em
que este foi libertado. A fotografia constante
da ficha policial de Febrônio foi mostrada ao pai de Alamiro, que o identificou
como o homem que, oferecendo emprego ao rapaz em uma empresa de ônibus, saiu
com ele no dia de seu desaparecimento.
Febrônio
foi finalmente localizado em 31 de agosto do mesmo ano, enquanto entrava em um trem da Estrada de Ferro Leopoldina, na Estação Barão de Mauá. Conduzido à 4ª Delegacia
Auxiliar do Rio de Janeiro, ele foi reconhecido pelo pai de Jonjoca como aquele
que propôs emprego de copeiro a seu filho no dia de seu desaparecimento,
levando-o consigo em seguida. Dois dias depois, em 2 de setembro,
o delegado Dr. Oliveira Ribeiro conseguiu obter a confissão de
Febrônio quanto ao assassinato de Alamiro, mas só assumiu sua responsabilidade
pelo homicídio de Jonjoca em 8 de setembro,
oportunidade em que declarou que cometera os dois crimes em holocausto ao
deus-vivo, símbolo de
sua religião.
Em 19 de setembro de 1927, Febrônio foi denunciado pelo Ministério Público pelo homicídio qualificado de Alamiro
José Ribeiro e de João Ferreira e, dois dias depois, ele foi transferido da 4ª
Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro para a Casa de Detenção, onde recebeu o
número 194. Vários casos de garotos que foram noticiados pela imprensamcomo
vítimas de Febrônio ficaram excluídos do processo por
falta de provas concretas. Também não se conseguiu
comprovar que Febrônio assassinou o dentista Dr. Bruno Ferreira Gabina para
apoderar-se de seu diploma, embora desde 1922 o paradeiro do odontólogo nunca
mais foi conhecido, nem por sua mãe Maria Ferreira Gabina.
Em 21 de setembro de 1927, o diário impresso O Jornal
inicia uma série de reportagens intitulada O criminoso Febrônio
perante a Psiquiatria. O primeiro entrevistado foi o Dr. Faustino Espozel, professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da
Universidade do Rio de Janeiro, atual Universidade
Federal do Rio de Janeiro. No dia seguinte é a vez do Dr. Pedro
Pernambuco Filho, professor-assistente da mesma faculdade.
A série termina em 2 de outubro com a entrevista do Dr. Henrique Roxo,
que examinara Febrônio em 21 de fevereiro daquele mesmo ano em sua segunda
passagem pelo Hospital Nacional de Psicopatas, oportunidade em que recomendou
sua transferência para o Hospício Nacional de Alienados. Todos os três médicos
foram unânimes em afirmar que Febrônio padecia de doença mental, a qual motivou
seus crimes, e que ele, em virtude de sua periculosidade, deveria ser internado
em colônia manicomial judiciária para submeter-se a tratamento psiquiátrico.
Em 4 de outubro de 1927, o jurisconsulto Dr. Evaristo de Moraes, em entrevista também a
O Jornal, ponderando que para Febrônio é imprópria a penitenciária comum e ineficiente o Hospício
Nacional de Alienados, recomenda, à luz do Direito,
que ele seja internado em manicômio judiciário.
Em 1928, Febrônio foi levado
diante do júri presidido pelo juiz Dr. Ary de Azevedo. Sua defesa foi
executada pelo advogado Dr. Letácio Jansen, que sustentou sua inimputabilidade penal em face de sua manifesta loucura.
Foi, então, conseguido que Febrônio fosse examinado quanto à sua sanidade
mental pelo preclaro psiquiatra forense Dr. Heitor
Pereira Carrilho. Os dados colhidos pela entrevista aparentaram ser
fruto de imaginação místico-delirante extravaganciada pela
incultura da parte de Febrônio, exemplificada pela fixação na figura materna
que, segundo ele, chamava-se Estrella do Oriente Índio do Brasil. Esses dados
foram cotejados com aqueles obtidos pelas informações passadas por Agenor
Ferreira de Matos, irmão de Febrônio que morava na cidade
baiana de Jequié e que tinha vindo visitá-lo na prisão,
ficando comprovado assim que o indiciado falseou seu depoimento, seja por
estratégia consciente, seja por mitomania mórbida.
Em 20 de fevereiro de 1928, Dr. Heitor Carrilho,
auxiliado pelo Dr. Manoel Clemente Reyio, emitiu, enfim, um extenso laudo pericial que se tornou célebre, no qual,
baseado emmteorias modernas para a época, estão as
seguintes conclusões:
“1° ―
Febrônio Índio do Brasil é portador de uma psicopatia constitucional,
caracterizada por desvios éticos,
revestindo a forma da loucura moral e perversões instintivas, expressas no homossexualismo com impulsões sádicas,
estado esse a que se juntam ideias delirantes da imaginação, de caráter místico.
2° ― As
suas reações antissociais ou os atos delituosos de que se acha acusado resultam
dessa condição mórbida que lhe não permite a normal utilização de sua vontade.
3° ― Em
consequência, a sua capacidade de imputação se acha prejudicada ou dirimida.
4° ―
Deve-se ter em conta, porém, que as manifestações anormais de sua mentalidade são elementos que definem a sua
iniludível temibilidade e que, portanto, deve ele ficar segregado ad vitam para os efeitos salutares e elevados
da defesa social, em estabelecimento apropriado a psicopatas delinquentes."
Armado
com os possantes argumentos científicos desse laudo, Dr. Letácio
Jansen conseguiu a absolvição de Febrônio, e o juiz Dr. Ary de Azevedo
determinou seu recolhimento, a partir de 6 de junho de 1929, como o primeiro interno do
Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, renomeado em 1954 como Manicômio Judiciário Heitor
Carrilho, em homenagem a seu primeiro diretor,
que havia falecido nesse mesmo ano.
FUGA, RECAPTURA E MORTE
No dia 8 de fevereiro de 1935, Febrônio,
aproveitando a distração da guarda provocada pela chegada dos funcionários do turno da manhã,
escalou o muro de 4 metros de altura do Manicômio Judiciário graças ao
emprego de uma corda feita de lençóis atados cuja extremidade possuía um
gancho fabricado com alças de balde. Sua fuga, contudo,
durou somente até o dia seguinte, já que Bernadino Barbosa procurou a delegacia para relatar que
Febrônio estava escondido na casa dele, no bairro carioca de Honório Gurgel. Bernadino
contou que ele fora alojado a pedido de um amigo, Agenor, irmão de Febrônio, e que
decidiu procurar a polícia já que ficara amedrontado ao saber, por meio dos jornais que noticiaram a escapada, dos crimes
perpetrados pelo hóspede.
Febrônio,
encontrado totalmente despido, foi reconduzido ao Manicômio Judiciário, onde
permaneceu até sua morte, em 27 de agosto de 1984, aos 89 anos de
idade, como consequência de enfisema
pulmonar. Seu corpo foi discretamente inumado em 5 de setembro de 1984, no Cemitério do Caju.
Fonte: Wikipédia
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