Na noite de 22 de dezembro de 1988, uma semana após completar 44
anos de idade, Chico Mendes foi alvejado por um tiro de escopeta no peito, na
porta de sua casa, em Xapuri, Acre, enquanto saía para tomar banho (o banheiro
era externo). No interior da casa, os dois guarda costas responsáveis por
cuidar da sua segurança, da polícia militar, jogavam dominó e fugiram correndo
ao escutar o disparo. A tocaia foi armada pelo fazendeiro Darly Alves e
executada por seu filho, Darcy, junto de um outro pistoleiro. A versão que se
tornou oficial da morte seria a vingança de Darly pela disputa do Seringal
Cachoeira, que Darly queria transformar em fazenda, expulsar os seringueiros e
desmatar a floresta; e também que Chico Mendes havia descoberto, no Paraná, uma
condenação anterior do fazendeiro por assassinato.
Atribuir o crime apenas à fúria de Darly, que com seu bando de
pistoleiros aterrorizava Xapuri, sempre foi visto como uma forma de esconder
outros interesses que poderiam estar por trás do assassinato. O que estava por
trás do crime era a destruição da Amazônia em benefício de poucos. Chico Mendes
representava a resistência dos povos da floresta, as lutas sociais e a defesa
ecológica das populações que ele, como poucos, soube organizar e liderar.
O assassinato de Chico Mendes a mando do fazendeiro Darly Alves,
representante local da então União Democrática Ruralista (UDR), entidade de
classe dos grandes latifundiários então comandada por Ronaldo Caiado (hoje
representada pela Confederação Nacional da Agricultura, CNA, chefiada por Kátia
Abreu), provocou uma imensa repercussão internacional. Surpreendeu tanto a
elite agrária local, que pensava que o crime iria desaparecer na impunidade
como tantos outros que cometiam, quanto a imprensa nacional, que ignorava os
seringueiros e em grande parte os conflitos no campo (não muito diferente do
que ainda ocorre). Ambos, pai e filho, foram condenados a 19 anos de prisão,
cujas penas, hoje, já foram cumpridas. Outros assassinatos que teriam sido
cometidos pelo bando de pistoleiros chefiado por Darly ficaram impunes – como o
assassinado de Ivair Igino, companheiro de Chico, poucos meses antes, em junho
de 1988, por outro filho de Darly, Olocy. Em julgamento recente, a condenação
de Olocy foi tão baixa que o crime prescreveu – sequer consideraram a emboscada
armada como um crime premeditado.
Chico Mendes foi um dos mais influentes ambientalistas de sua
época e mudou o paradigma do ambientalismo internacional, ao colocar as
populações diretamente afetadas por projetos de desenvolvimento como centro do
debate. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e o ideólogo das
"reservas extrativistas", na qual a população tradicional que
habitava a floresta teria o direito de manter seu modo de vida de coleta
sustentável dos produtos florestais. "A reserva extrativista é a reforma
agrária do seringueiro", ele dizia. Chico também falava que ele defendia a
vida dos seringueiros, então, as seringueiras e a floresta amazônica, e assim
se deu conta de que estava defendendo o Planeta inteiro. Um pensamento cada vez
mais atual em relação a crise ecológica que toca a todos.
Suas ideias giraram o mundo e inspiraram diversas lutas sociais. O
ativismo liderado por Chico Mendes havia influir na política de financiamento
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial para a
Ditadura, no Brasil, para construir estradas na Amazônia, mostrando que o
benefício dos empréstimos atingia apenas a uma pequena elite, provocando
violência e destruição ambiental. Hoje, o espaço desses organismos financeiros
foi ocupado pelo BNDES.
O líder seringueiro teve uma brilhante trajetória política. No seu
próprio dizer, foi como "ganhar na loteria". Não havia escolas nos
seringais e 98% dos seringueiros eram analfabetizados nos anos 1970. Mas em
1962 Chico Mendes encontrou o militante comunista Euclides Távora, refugiado da
Coluna Prestes na Amazônia, na fronteira da Bolívia com o Acre. Távora iniciou
um processo de alfabetização baseado não em cartilhas, mas em jornais da época
que chegavam com meses de atraso. Todos finais de semana, o garoto caminhava 3
horas até a colocação de Távora. Chico Mendes não só aprendeu a ler e a
escrever, como passou a compreender o contexto político de seu entorno. Quando
veio o golpe de 1964, podia conectar nas rádios internacionais em versão em
portugues da Voice of America, BBC e Central de Moscou, e junto de Távora,
interpretar como as notícias eram informadas de forma bastante diferentes. A
relação com Távora terminou em 1965, e com uma mensagem: os anos vindouros
seriam marcados por autoritarismo e violência, e Chico deveria filiar-se ao
primeiro sindicato que surgisse.
Após algumas tentativas de mobilizar, de forma isolada, os
seringueiros, no início dos anos 1970 surgiram as comunidades eclesiais de
base, localmente comandadas por dom Moacyr Grechi, bispo progressista da
teologia da libertação. E em 1975, através da CONTAG, foi criado o Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. Como era um dos poucos letrados, Chico
assumiu a secretaria, e em 1977 fundou o sindicato em Xapuri. A trajetória do
sindicalista culminou com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros
(CNS), em 1985, em Brasília, fato que projetou a luta do seringueiros ao debate
nacional.
Fonte: Carta Capital