“Você imagina o sujeito que é usuário de drogas, está na praia, vê
uma lata boiando, abre e está cheia de maconha. Isso é como a lâmpada do
Aladim. Onde já se viu maconha boiando de graça? Mas isso não é lenda urbana.
Aconteceu realmente e foi o verão da lata, entre 1987 e 1988”, lembra o
delegado Antonio Rayol sobre o que aconteceu no Rio de Janeiro há quase 25
anos. A história, desacreditada por muitos, é recontada pelo jornalista
fluminense Wilson Aquino no livro Verão da Lata, lançado neste mês pela editora
Leya.
Foi um tempo em que surfistas iam ao mar procurando um brilho que
denunciasse as latas. Outros alugavam barcos e iam longe da costa ou a ilhas
costeiras para achá-las. Eles procuravam recipientes fechados a vácuo,
recheados com maconha conservada em mel e glicose.
O destino das latas não se resumiu ao Rio de Janeiro. As primeiras
apareceram no litoral norte de São Paulo em setembro de 1987. Depois, foram
encontradas em diversos pontos da costa entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande
do Sul.
Vindas do mar, haviam 22 toneladas de maconha. Eram 15 mil latas
de até um quilo e meio cada. Difícil de imaginar que um dia isso aconteceu. “Eu
estava numa conversa com pessoas mais jovens e algumas achavam que o verão da
lata não tinha existido, que era mais um dos folclores da cidade. Aí surgiu
a ideia de fazer o livro”, conta Aquino.
Como a maconha chegou até ali
A maconha que um dia brotaria nas praias cariocas foi embarcada no
barco australiano Solana Star em Cingapura, no sudeste asiático. O objetivo da
tripulação era chegar ao litoral norte do Rio de Janeiro, distribuir a
mercadoria entre outros dois barcos e seguir para Miami, nos Estados Unidos.
Os planos foram frustrados quando o chefe do grupo foi preso em
Miami. O governo norte-americano avisou o Brasil da chegada do navio cheio da
droga, mas os traficantes souberam de antemão. A solução encontrada para não
serem pegos foi jogar todas as latas no mar.
Após o descarte da mercadoria, o barco ficou atracado vários dias
em plena Baía da Guanabara antes de a polícia descobrir seu paradeiro. Nesse
tempo, cinco dos seis tripulantes conseguiram escapar do país. Somente o
cozinheiro do barco foi preso.
Sem conseguir prender a tripulação, a polícia fez uma operação
para recuperar as latas. Também coibiu a atuação de traficantes de
oportunidade. Algumas pessoas achavam latas e depois vendiam seu conteúdo.
Encontradas pela polícia, pegavam até seis anos de prisão.
Do outro lado, traficantes anunciavam vender a maconha da lata. A
qualidade da erva que vinha do mar ficou famosa. Por isso, os traficantes
ofereciam a droga de sempre acondicionada dentro de latas.
Mesmo com as buscas da polícia, as latas continuavam a aparecer.
Muitas pessoas que as encontravam jamais haviam visto maconha na vida. Caiçaras
encheram o cachimbo com a erva, achando que era tabaco. Outros colocavam fogo
na erva para espantar mosquitos e alguns até cozinharam com a maconha. A
preocupação parecia restrita à polícia. Como conta Aquino, a população
mais se divertia do que se preocupava com aquela notícia.
O triste fim do Navio Tunamar, um dos principais navios que transportavam as latas de maconha...
Velhos
marujos costumam dizer que trocar o nome de uma embarcação dá azar. Se assim
for, o barco que ficou eternizado como Solana Star, no episódio conhecido como
Verão da Lata, passou na fila do azar várias vezes.
O
"Solana", que deve ser chamado assim até hoje pelos mais chegados,
nasceu em 1973 como Foo Lang, foi rebatizado para Geraldtown Endeavour, em
1980, virou Solana Star em 1986, e ganhou o nome de Charles Henri ao ser
leiloado pelas autoridades brasileiras. Agora, ele descansa registrado nos
livros das profundezas como Tunamar. Segundo a superstição, Netuno e Poseidon
tiveram um trabalho danado para aceitar o nome do barco cinco vezes. E cobraram
alto por isso.
A
última viagem do Tunamar, que havia sido reformado para atuar como barco de
pesca de atum, foi também a sua viagem inaugural. Ele partiu de Niterói para
Santa Catarina, e naufragou no dia 11 de outubro de 1994, na região de Arraial
do Cabo, no litoral fluminense. Onze dos 22 tripulantes morreram, nove ainda
estão desaparecidos no interior do navio.
Quem
tiver vontade de conferir o que sobrou do ex-Solana Star terá de mergulhar 65
metros de profundidade. Conforme as últimas informações divulgadas em sites de
naufrágios, as condições são difíceis, além do mar a 1,5 milha da Ilha de Cabo
Frio ser freqüentemente agitado. As águas profundas são muito turvas e,
geralmente, a temperatura está em torno dos 13º C.
Desta
maneira, apenas um profissional bastante experiente reúne as qualificações
necessárias para desbravar a história deste malfadado navio nas profundezas
salgadas.
“Comecei
a refletir sobre todos os mergulhos que já realizamos por lá, todos sem exceção
tiveram problemas que curso algum pode ensinar, lá embaixo ainda há os corpos
dos que morreram no interior da embarcação, que não deixa de ser um túmulo.
Mergulhar no Tunamar requer não só uma técnica apuradíssima como também a
coragem de se enfrentar as forças ocultas que lá te esperam.”
Os números da tragédia
Para
muita gente, avistar e recolher uma lata no mar daquele Verão era como
acertar na loteria. Os usuários da droga sentiam que haviam tirado na sorte
grande ao escapar da polícia e dos traficantes ao mesmo tempo. E a polícia
sabia o que essas pessoas fizeram no verão de 1987, sabia mas não pode fazer
muita coisa. Era muita, mas muita lata invadindo 2 mil quilômetros de praias,
do litoral do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul.
Mesmo
quem não consumia a droga, caçava as latas. Durante o dia, as latas eram
escondidas na areia e revendidas mais tarde para intermediários.
Alguns
surfistas viraram traficantes, pescadores e marinheiros trocavam as latas que
tinham alto valor no mercado negro por pranchas, redes de pesca, carros e até
casas. “São pessoas humildes, que tentavam ganhar dinheiro fácil e acabaram se
dando mal”, afirmaram policiais aos repórteres quando prendiam caiçaras que
vendiam a lata por 8 mil cruzados para quem vinha buscar na fonte. Já os
traficantes chegavam a passar para frente o conteúdo por cinco vezes mais. Um
caseiro foi preso com 334 latas escondidas numa mansão em Angra dos Reis.
MAS PORQUE SERÁ QUE OS TRIPULANTES DO SOLANA STAR TIVERAM QUE JOGAR SUA
PRECIOSA CARGA NO MAR?
O
Solana Star partiu da Austrália e parou para recolher sua preciosa carga em
Singapura, no sudeste da Ásia. Seu destino oficial era o Panamá, mas, no
caminho, a droga seria infiltrada nos EUA, a partir de Miami. Depois de navegar
por 65 dias, o barco começou a ser perseguido pela Marinha e Guarda Costeira
perto de Angra dos Reis, após ter que fazer uma baldeação de emergência no
Brasil.
A
DEA (Drug Enforcement Administration) fez o alerta sobre a carga do Solana Star
para as autoridades brasileiras, enquanto o navio ainda estava na metade do
caminho para cá. Um grupo de 15 a 20 homens promoveu uma caçada ao Solana Star
por duas semanas, com o apoio de aeronaves, utilizando até uma fragrata e um
contratorpedeiro da Marinha do Brasil. Foi uma verdadeira operação de guerra.
Para
se livrar do flagrante, as aproximadamente 22 toneladas de maconha foram
despejadas próximo a Ilha Grande, na costa do Rio de Janeiro. No início, as
correntes marítimas espalharam as latas principalmente nos litorais paulistas e
cariocas.
Antes
de jogar as 15 mil latas que tinham entre 1,3 e 1,5 kg de maconha fora, os
tripulantes que estavam sem comida e água potável, pensaram em afundar o Solana
Star com toda a carga dentro. Pegariam outro barco nos EUA, retornando para
buscar o carregamento no fundo do mar meses depois. Seis
norte-americanos e um costa-riquenho, com idades entre 32 e 52 anos, foi a
tripulação registrada do Solana Star que desembarcou no Rio de Janeiro. O
cozinheiro foi único preso.
Após
três vistorias, apenas dez centigramas de maconha foram encontradas pela
polícia nos depósitos do Solana Star, onze dias depois de sua ancoragem no Rio
de Janeiro. Cem
dólares por dia de viagem foi o pagamento combinado verbalmente entre o
Primeiro Oficial John Powers e Stephen G. Skelton para trabalhar como
cozinheiro e ajudante geral do Solana Star. Ele seria pago ao desembarcar
"no Panamá", segundo seus depoimentos para a polícia.
Stephen
G. Skelton foi condenado a 20 anos de cadeia, mas foi absolvido em segunda
instância, após passar um ano na prisão. Uma carga de 22 toneladas, como a do
Solana Star, renderia por volta de 90 milhões de dólares aos traficantes
internacionais.
Fonte: Carta Capital e History
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